Uma cúpula à espera de um milagre
Alfredo Sirkis comenta os resultados da reunião sobre o clima organizada pela ONU em Nova York na última segunda-feira
ALFREDO SIRKIS
ESPECIAL PARA O OC
A Cúpula do Clima da ONU, em Nova York, produziu um grande freak show, mas pouco de substantivo. De fato, uns 60 países acenaram para uma meta de neutralidade de carbono nas alturas de 2050, o que é bom. Entre eles, no entanto, não estavam os maiores emissores: China, EUA e Índia. A China limitou-se a reafirmar que vai cumprir sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Acordo de Paris –nada de novo– a Índia tergiversou prometendo aumentar o uso de energia limpas, mas não mencionou metas de emissões para além da seu fraquíssima, conquanto prolixa, NDC.
Já os EUA… bem, Trump fez uma incursão de 14 minutos no plenário “inimigo”, provocando, menos que vaias, risadas. Nada disse. A Alemanha foi um dos países que se comprometeram com emissão líquida zero em 2050, mas nada falou em relação às usinas de carvão que pretende manter até 2038, o que é grave menos pelas emissões propriamente ditas que pelo mau exemplo, pelas desculpas que dá aos grandes carvoeiros (China, que exporta, Índia, EUA, Polônia, Austrália, Turquia, Grécia, África do Sul, Indonésia): “Pô, sem nem a Alemanha”…
Este 2019 ruma para ser o segundo ano mais quente da história, na melhor hipótese, e chega a ser enfadonho –e sem dúvida triste—evocar os estudos científicos mais recentes, que podem ser resumidos assim: o buraco é ainda mais embaixo do que todos achávamos.
Nada do que está sendo cozinhado diplomaticamente nos leva perto de diminuirmos em 45% as emissões até 2030 e zerarmos as emissões líquidas em 2050, para termos chance de limitar o aquecimento do planeta em 1,5oC neste século (a Organização Meteorológica Mundial publicou antes da reunião de Nova York um relatório mostrando que já estamos em 1,1oC) A atual conjuntura política internacional põe seriamente em dúvida o cumprimento das NDCs do Acordo de Paris, que, mesmo se fossem todas cumpridas à risca, nos trariam 3oC ou mais. Uma catástrofe.
O Brasil, que no período anterior vinha bem na fita, agora, com um desmatamento previsto para mais de 10 mil km2 na Amazônia, não vai chegar nem perto de cumprir a meta da sua Política Nacional de Mudança Climática, lá idos de 2010, que era de chegarmos em 2020 em 3.900 km2. Assim vamos numa trajetória de entre 1,8 bilhão e 2 bilhões de toneladas de CO2 para 2030, em vez do 1,2 bilhão de toneladas com que nos comprometemos. Embora, em tese, ainda haja tempo para se reverter isso seguindo as direções da Proposta Inicial para a Implementação da NDC Brasileira, o mapa do caminho para fazer o nosso dever de casa.
O discurso de Jair Bolsonaro na Assembleia Geral, na terça-feira (24), foi tão ridículo que não chegou nem a ser destacado pela grande imprensa internacional – esses pasquins marxistas/globalistas e anti-cristãos tão odiados pelo nosso chanceler. Virou piada de internet. O Brasil que, no passado, liderou movimentos de diplomacia, cai na irrelevância, na gozação e no desprezo da comunidade internacional. Nosso governo virou piada de mau gosto.
Acabou sendo representado mais condignamente pelos governadores do Amapá, Valdez Góes, na reunião de florestas organizada pelo presidente Emmanuel Macron, e o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, que, representando todos Estados do nordeste mais o Espirito Santo, discursou num evento das ACA (Alianças para a Ação para a Neutralidade de Carbono em 2050), praticamente na mesma hora do grotesco e obtuso discurso presidencial.
A novidade é a mobilização dos jovens, as futuras vítimas do clima catastrófico que nossa geração tende as lhes legar. O olhar de horror da Greta Thunberg para Trump “viralizou” mundo afora. O processo da ONU – os governos, os diplomatas, todo esse universo – vai, quando muito, continuar a chafurdar no mínimo denominador comum. A situação demanda um sobressalto espiritual e uma revolução financeira que reconheça o valor econômico do menos-carbono como um pilar civilizatório.
Longe estamos de tudo isso, mas milagres acontecem.
Alfredo Sirkis é jornalista, escritor e diretor do Centro Brasil no Clima