Temer cumprimenta a chanceler Angela Merkel no encontro do G20, em Hamburgo, na Alemanha. O Brasil será café com leite nas decisões políticas sobre clima. Foto: Governo alemão/Güngör

#NEWS

Temer vai a Hamburgo à sombra do hambúrguer da JBS

Após escândalo da JBS, aprofundamento da relação entre o presidente e bancada ruralista põe o Brasil ao lado dos EUA como retardatário do G20 no combate à mudança do clima

07.07.2017 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

CARLOS RITTL*

Numa demonstração de que é mesmo imune a constrangimentos, Michel Temer e seus 7% de popularidade embarcarão nesta semana para Hamburgo, na Alemanha, para a cúpula do G20. O ora presidente do Brasil tenta mais uma vez fazer cara de paisagem diante do mundo: mostrar que não há crise, que seu governo está trabalhando para fazer o país avançar e que tem uma importante agenda internacional para cumprir. Da última vez que fez isso, deu ruim. Pergunte lá em Oslo.

A viagem à Alemanha, como todo o resto do mandato de Temer, ocorre à sombra do hambúrguer. Aliás, de dois hambúrgueres. O primeiro é Friboi – a crise deflagrada pela delação premiada do frigorífico JBS, em maio, que deu a Temer a honra duvidosa de ser o primeiro presidente da história do Brasil denunciado por corrupção no exercício do poder. O segundo é de boi pirata: para barrar a denúncia de Rodrigo Janot na Câmara e se manter na cadeira, Temer precisará dos votos da extensa bancada ruralista no Congresso. E fará qualquer coisa para obtê-los.

Uma vítima colateral desse surto negociador desesperado é justamente uma das principais agendas em discussão no G20: o combate à mudança climática global. O clima é quase uma monomania da chanceler Angela Merkel, anfitriã do encontro. E nem a melhor cerveja alemã tornará a pauta fácil de engolir na cúpula, por causa das posições de Donald Trump e do anúncio feito por ele da futura retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris. O assunto tende a ocupar tempo significativo dos líderes dos 20 países mais ricos do mundo, e o que resultará do debate (ou embate) em Hamburgo ainda é incerto. Certo é que o Brasil deve pagar mico de novo. Por dois motivos.

Primeiro, porque a crise política permanente que o país vive obviamente eliminou da agenda do governo qualquer preocupação com o longo prazo. Isso se aplica a temas que vão da educação e ciência e tecnologia à política industrial. A discussão sobre a implementação das metas do Brasil para 2025 virou um assunto do Ministério do Meio Ambiente, quase sem aderência nas outras esferas de governo. A recessão praticamente determinou que as metas no setor de energia serão cumpridas (valeu, Dilma!), mas o governo brasileiro está neste momento fechado a qualquer ação séria de implementação.

Ao contrário – e este é o segundo motivo do mico: nunca antes na história deste país as forças contrárias ao progresso no clima, amplamente representadas no Congresso, estiveram tão poderosas. E, cada vez que Temer bate o pé e diz “daqui não saio”, sua fatura com essas forças aumenta. E elas já estão cobrando a conta.

A Frente Parlamentar da Agropecuária, a bancada do hambúrguer, tem uma agenda extensa para liquidar antes que o governo Temer termine (ou seja terminado). Seu fulcro é a desregulamentação do mercado de terras no Brasil, unida ao fim de qualquer restrição a seu uso. Isso inclui a anistia à grilagem, o fim do licenciamento ambiental, a criminalização da proteção aos povos indígenas – concomitantemente ao avanço sobre os territórios dos índios –, a suspensão e reversão da criação de áreas protegidas, o calote oficial das dívidas do setor e uma proposta de reforma trabalhista no campo com cheirinho de saudades do século XVII.

O aumento das emissões por desmatamento no país, mesmo em meio à pior recessão em um século, é consequência inevitável da implantação dessa agenda, e talvez nem seja a mais nefasta. Embora o ministro Sarney Filho (Meio Ambiente) tenha tentado pendurar 100% da conta do atual pico no desmatamento no governo Dilma, é sabido que a percepção do liberou geral frequentemente tem mais influência sobre as derrubadas do que as políticas de fato. E a ascensão do grupo de Temer em 2016 foi a senha para proprietários e grileiros de terras na Amazônia.

Mais do que retrocessos reais, o que motivou a bronca dada pela Noruega no governo brasileiro no fim de junho foi a percepção de que tudo na política ambiental do país está indo para o buraco. Como se para provar esse ponto, Temer despachou um deputado ruralista, Darcísio Perondi (PMDB-RS), para acompanhar Sarney Filho na entrevista coletiva que o ministro convocou logo ao desembarcar de Oslo para dizer que estava tudo bem com os noruegueses.

Agora o presidente toma o avião novamente e vai de peito aberto encarar em casa o segundo maior doador de dinheiro para o Fundo Amazônia. Os alemães já manifestaram preocupação com o desmatamento. A sorte de Temer é que Merkel estará ocupada demais lidando com Trump para prestar atenção a ele.

Talvez isso reduza o vexame, mas a percepção geral será de que o Brasil, até pouco tempo atrás elogiado por ter feito um dos maiores esforços de corte de emissões do mundo, está se tornando novamente parte do problema do clima global – e no pior momento. Temer põe o Brasil ao lado dos Estados Unidos na posição incômoda de retardatário climático do G20.

Enquanto o peemedebista estiver se escorando na bancada ruralista para escapar de denúncia após denúncia, qualquer esperança de fazer a agenda climática avançar é vã. A cúpula do G20 será mais uma demonstração dessa futilidade. Vamos torcer para que pelo menos ele não chame Angela Merkel de premiê do Reino Unido.

*Carlos Rittl é secretário-executivo do Observatório do Clima. Este artigo foi publicado originalmente no Blog do Planeta.

Related

Nossas iniciativas