Sessão plenária do STF (Foto: Nelson Jr./STF)

#PRESS RELEASE

STF forma maioria para mandar governo parar de sabotar Fundo Clima

Cinco ministros acompanham voto do relator, Luís Barroso, para acolher ação inédita movida por partidos em 2020

30.06.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

Em um julgamento inédito na história da política climática do Brasil, o Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quinta-feira (30) para determinar ao governo federal que pare de sabotar o Fundo Nacional sobre Mudança Climática e utilize corretamente seus recursos.

Cinco ministros seguiram o voto do relator, Luís Roberto Barroso, julgando procedente uma ação movida por quatro partidos políticos em junho de 2020 para obrigar o governo federal a restabelecer o fundo e evitar que seus recursos sejam retidos (contingenciados) pela União.

Barroso é o relator da ADPF (Ação de Descumprimento de Arguição Fundamental) 708, impetrada por PSB, Rede, PSOL e PT. A ação havia originado, em setembro de 2020, a primeira audiência pública da história do STF a tratar de mudança climática. Seu julgamento ocorre no plenário virtual da Suprema Corte. Ele cria mais um precedente para decretar inconstitucionais as “boiadas” passadas pelo regime de Jair Bolsonaro sobre a governança socioambiental do Brasil.

O voto do relator, proferido na madrugada de terça-feira, reconhece a proteção do clima como um valor constitucional – portanto, omissões ou ações contrárias a ela são violações à Constituição e aos direitos humanos, passíveis de sanção pelo Supremo.

Os ministros Alexandre de Moraes, Dias Tóffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber votaram de acordo com o relator, acolhendo integralmente seu voto. O ministro Edson Fachin acompanhou o relator com uma ressalva, ordenando que a União formule periodicamente o Inventário Nacional de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, além de que publique relatório estatístico trimestral elaborado pelo IBGE/MCTI que evidencie o percentual de gastos do Fundo Clima nos cinco segmentos emissores (energia, indústria, agropecuária, uso da terra e resíduos).

“Atento à situação de emergência climática, o Ministro Luís Roberto Barroso reconheceu a inconstitucional paralisação das atividades do Fundo Clima.

O bem fundamentado voto do relator se encontra lastreado nas relevantes informações obtidas após a realização de audiência pública sobre o tema, que escancararam a situação de completa inércia a que se encontram submetidos os significativos valores destinados ao fundo”, disse Felipe Correa, advogado do PSB, um dos partidos proponentes da ação.

“É uma vitória histórica e necessária”, disse Suely Araújo, especialista-sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Esse julgado na prática terá um alcance bem mais amplo do que o Fundo Clima: a decisão favorável à ADPF 708 traz o precedente fundamental de que a omissão no uso de recursos destinados à política climática é inconstitucional. O poder público não tem o direito de optar pela não política pública nesse campo.”

Na petição de 2020, protocolada no Dia Mundial do Meio Ambiente (5/6), que teve apoio técnico do OC, os partidos apontam que o governo deixou o Fundo Clima parado de propósito durante os anos de 2019 e 2020. Segundo os proponentes, a enrolação foi proposital, até que o então ministro Ricardo Salles conseguisse mudar a composição do comitê gestor do fundo (extinto em abril de 2019) de forma a excluir a sociedade civil e ter o colegiado sob controle do governo.

Em novembro de 2019 o comitê foi recriado, conforme a vontade de Salles, com forte presença do governo e do setor privado. A única representação da sociedade civil era um assento para o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, um organismo paraestatal cujo presidente é Jair Bolsonaro e cujo secretário-executivo é de escolha do ministro do Meio Ambiente.

Mesmo com essa nova composição, o fundo entrou o ano de 2020 com cerca de R$ 500 milhões de sua parcela reembolsável congelados no BNDES e R$ 8 milhões de sua parcela não-reembolsável virtualmente sem uso pelo Ministério do Meio Ambiente. Foi só após a ação dos partidos ser protocolada no Supremo que Salles correu para destinar os recursos reembolsáveis do fundo. Sua parcela não-reembolsável foi inteiramente destinada a um único projeto, o Lixão Zero de Rondônia (Estado governado por um aliado de Bolsonaro), e uma outra parcela foi contingenciada pelo Ministério da Fazenda.

Em seu voto, Barroso afirma que a paralisação do Fundo Clima foi proposital. “Os documentos juntados aos autos comprovam a efetiva omissão da União, durante os anos de 2019 e 2020. Demonstram que a não alocação dos recursos constituiu uma decisão deliberada do Executivo, até que fosse possível alterar a constituição do Comitê Gestor do Fundo, de modo a controlar as informações e decisões pertinentes à alocação de seus recursos”, escreveu.

“A medida se insere em quadro mais amplo de sistêmica supressão ou enfraquecimento de colegiados da Administração Pública e/ou de redução da participação da sociedade civil em seu âmbito, com vistas à sua captura”, prosseguiu o relator, fazendo eco à tese da “cupinização institucional” exposta pela colega Cármen Lúcia em março na votação de uma outra ação sobre a política ambiental de Bolsonaro.

Barroso também apontou que o cuidado do meio ambiente não é uma opção do Executivo, derrubando a argumentação da AGU (Advocacia-Geral da União) de que decisões sobre o Fundo Clima eram discricionárias do Executivo. Ao contrário, afirmou, trata-se de uma “obrigação” à qual o poder público está vinculado.

Outra tese da defesa rechaçada pelo relator foi a de que o Fundo Clima, por derivar de compromissos internacionais do Brasil no âmbito dos tratados multilaterais sobre mudança climática, não vincula o governo federal a seu cumprimento obrigatório, já que não se trata de lei brasileira.

“Tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional. Assim, não há uma opção juridicamente válida no sentido de simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas”, retorquiu, deferindo os pedidos dos partidos para: 1) Reconhecer a omissão da União ao paralisar o Fundo Clima em 2019; 2) Determinar à União que pare de se omitir em faze funcionar o fundo, e 3) Vedar o contingenciamento de sua receitas.

Barroso também responde à questão levantada pelas entidades de que a aplicação dos recursos do fundo estaria sendo “subótima”. Com isso, ele diz que “a persistência no não enfrentamento de fontes importantes de gases de efeito estufa – tais como o desmatamento e as alterações de uso do solo – ao longo do tempo, e a consequente frustração da mitigação das alterações climáticas pode ensejar a atuação futura do Judiciário no tema”. Ou seja, ele abre as portas para que qualquer governo seja processado caso exista algum tipo de malversação na aplicação de recursos para mitigação da crise do clima.[:][:]

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