Será que as emissões de gás carbônico da China realmente atingiram o pico?
Somos muito ruins em prever as emissões chinesas. Por que acreditamos que podemos acertar o que está por acontecer?
Por Glen Peters, do Climate Home
A Agência Internacional de Energia (AIE) estimou que as emissões chinesas seriam de 18% do total do planeta em 2020 – mas em 2015 o valor real era de 29%. Em 2002, a AIE escreveu que em 2030 “as emissões chinesas estariam bem abaixo das dos Estados Unidos”. Em 2006, a AIE escreveu que a China provavelmente emitiria mais do que os EUA antes de 2010, e, um ano depois, em 2007, reconheceu que a China já havia ultrapassado os EUA. Sejamos justos com a AIE, ninguém mais, além dela, tentou prever o crescimento das emissões chinesas durante a década de 2000. Uma das maiores incertezas na política climática é a nossa capacidade de prever o futuro.
Dado isto, é precisos sermos cauteloso com as declarações de que as emissões chinesas atingiram seu pico. Se o rápido crescimento das emissões chinesas nos anos 2000 foi inesperado, o rápido abrandamento das emissões chinesas nos últimos anos também é inesperado. Suposições de longo prazo – que estimaram que a China registrasse baixas emissões por pessoa – foram quebradas: a China agora emite mais do que a União Europeia por pessoa, e está bem acima da média global. A recente desaceleração no crescimento das emissões chinesas mudou novamente a discussão, agora, para saber se as emissões chinesas atingiram o pico.
Por que o crescimento das emissões chinesas diminuiu? Pelo simples fato de que o consumo de carvão tem diminuído. Na verdade, o consumo de carvão diminuiu em cerca de 1% ao ano, em média, desde 2013. Isso contrasta com o rápido crescimento de cerca de 10% ao ano na década de 2000. O petróleo e o gás continuaram a crescer fortemente, assim como as fontes de energia não fósseis. As fontes de energia renováveis são dominadas pela energia hidrelétrica, nuclear, solar e eólica, com taxas de crescimento consideráveis, embora a base de cálculo ainda seja pequena. A história chinesa de emissões é realmente uma história baseada no carvão. O crescimento das fontes de energia não fósseis na China tem sido verdadeiramente impressionante, mas não deixe que isso reconte a história do carvão, muito mais complexa do que isto.
Por que o consumo de carvão diminuiu? Um ponto importante desta história é que o crescimento do consumo total de energia primária diminuiu, impulsionado por um enfraquecimento da economia e taxas de crescimento do PIB mais baixas do que a década de 2000. Menos atividade econômica significa menos consumo de energia. Houve também uma melhoria na eficiência energética da economia, embora isso não possa ser apontado como um fato essencial.
O papel das energias renováveis e das políticas de poluição atmosférica. É provável que fontes de energia não-fósseis tenham ajudado a atender o incremento no consumo de energia. Mas, as fontes renováveis não cresceram para deslocar o carvão, mas para sustentar o crescimento do país. Políticas contra a poluição do ar provavelmente desempenharam um papel importante nesta inversão de cenário, mas ainda não se sabe o quanto exatamente. É mais provável que a China esteja aproveitando o menor crescimento do consumo de carvão para implementar e promover suas políticas de despoluição do ar. A “guerra contra o carvão” foi algo impressionante, mas isso pode representar apenas um desdobramento retórico e inteligente de contínuos problemas econômicos. O carvão ainda está lá, mas as usinas de carvão estão funcionando em um ritmo menos intenso. Um estudo recente estimou que o declínio na atividade da construção pode explicar aproximadamente três quartos do declínio no uso do carvão. Isso ocorre porque a construção exige insumos que requerem o uso de muita energia para a produção de cimento e aço. Os problemas econômicos estão por trás da recente desaceleração do consumo e das emissões de carvão na China, mas certamente o crescimento das energias renováveis e as preocupações com a poluição atmosférica contribuíram.
As emissões atingiram o pico? A China comprometeu-se a reduzir a sua intensidade de emissão (emissões de CO2 por unidade de atividade econômica) de 60 a 65% abaixo dos níveis de 2005 até 2030, aumentando a cota de energia não fóssil para 20% do consumo total de energia em 2030. A matemática atrás dos picos de emissões chinesas é simples. É preciso ter uma redução de cerca de 3-4% da energia fóssil e uma taxa de crescimento econômico também menor. Quando o crescimento econômico e as quedas de intensidade de emissão são iguais, temos picos de emissões.
Supondo que a China atenda às suas promessas, um pico pode ainda estar a 10 anos de distância. Mas, tendências recentes indicam o contrário? Para que as emissões chinesas cheguem ao pico mais cedo, ou o crescimento econômico deve ser mais lento do que o esperado, ou a intensidade das emissões deve declinar mais rapidamente do que o esperado (ou ambos).
As atuais tendências de emissões são inconsistentes com as promessas de emissões da China? Há certamente uma inconsistência entre a promessa da China e as atuais tendências das emissões. Se as metas de crescimento econômico forem atingidas (como sempre são), então, a intensidade de emissão tem que declinar mais rápido do que prometeu. Isto é bastante plausível, particularmente se houver um abrandamento contínuo da produção de produtos que consomem muita energia. É muito mais improvável que as emissões chinesas tenham atingido um pico absoluto, no sentido de que logo irão diminuir. Cancelar o desenvolvimento de novas infra-estruturas de combustíveis fósseis não reduz as emissões. Para ser coerente com uma meta de 2 graus, as emissões chinesas teriam que baixar tão rápido quanto subiram, e isso é improvável sem a remoção da infra-estrutura existente de combustível fóssil. Se a China estava construindo de duas a três usinas de carvão por semana em sua fase de pico de crescimento, então ela precisa desativar de duas a três usinas de carvão por semana (e substituir por outras fontes de energia) em sua fase de pico de declínio para manter dentro de um alvo 2 graus Celsius. As emissões da China podem estar perto de um patamar estabilizado, mas é improvável que nós veremos a tendência das emissões cair para um patamar alinhado com a meta de 2 graus Celsius.
Devemos confiar em dados chineses? Estatísticas chinesas podem ser confusas, e até mesmo os melhores especialistas do mundo têm dúvidas sobre elas. Talvez a maior fonte de incerteza nas estatísticas do carvão chinês são, de fato, as revisões. A extensão das revisões são fáceis de acompanhar usando a BP Statistical Review of World Energy, que se baseia nas estatísticas oficiais chinesas e nas próprias fontes. Os sucessivos lançamentos destas estatísticas podem sofrer revisões substanciais, a maioria das quais devido ao Censo Econômico Chinês realizado a cada cinco anos ou assim. Uma característica notável é a subnotificação significativa do consumo de carvão em torno de 2000. Isto se seguiu a uma repressão do governo contra as pequenas minas de carvão, que simplesmente mantiveram-se em funcionamento, mas pararam de ser reportadas. Dadas as medidas recentes do governo, o recente declínio no consumo de carvão pode ser um caso de dados não relatados. No entanto, dada a desaceleração na produção de produtos intensivos em energia, há alguma evidência independente de que a desaceleração é real. Um equívoco comum com as estatísticas do carvão chinês é a diferença entre os dados em unidades de massa e energia. O declínio no consumo de carvão por unidades de energia é muito menor do que o declínio do consumo de carvão por unidades de massa, presumivelmente refletindo melhorias na qualidade do carvão. Houve também uma queda muito maior nos dados de produção em comparação aos dados de consumo, e esta é a causa de muita confusão. Isso pode refletir mudanças significativas nas pilhas de estoques, padrões de comércio ou relatórios ruins. Para interpretar os dados de consumo de carvão chinês é necessário ter cuidado, e certificar-se de cruzar dados com outros indicadores independentes.
Mensagens-chave – As emissões chinesas de dióxido de carbono cresceram em um ritmo inesperadamente rápido durante os anos 2000 e o crescimento estancou inesperadamente depois de 2010. A desaceleração recente é impulsionada principalmente por fatores econômicos, conduzindo a uma desaceleração da produção intensiva de energia e, portanto, do consumo de carvão. A eficiência energética melhorou, mas vem acontecendo a longo prazo, após um abrandamento na década de 2000. Fontes de energia não-fósseis e a preocupação com a despoluição do ar contribuíram para o recente abrandamento, mas é improvável que tenham desempenhado um papel dominante neste cenário. Embora pareça que a China possa ter atingido um patamar máximo no consumo de carvão e em emissões de dióxido de carbono, é necessário cautela significativa para prever o futuro da China. Para manter as temperaturas médias globais abaixo de 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, as emissões chinesas deveriam cair tão rápido quanto subiram. Isso é improvável que aconteça, e quaisquer que sejam as causas das mudanças na China, elas não estão nem de perto coerentes com as ambições gerais do Acordo de Paris.