“Proposta do Brasil em Paris vai ser ruim”, afirma Eduardo Viola, da UnB
Professor diz que crise e conservadorismo de Dilma impedem adoção de compromisso ambicioso na COP21, e que promessa de desmatamento ilegal zero só em 2030 traduz ‘inércia mental’
CLAUDIO ANGELO (OC)
Não há clima no Brasil para ousadia no clima. As múltiplas crises que o país atravessa, somadas a uma “visão muito atrasada do desenvolvimento” da presidente Dilma Rousseff, praticamente eliminam a possibilidade de adoção, pelo governo, de um compromisso significativo de redução de emissões na conferência de Paris.
A opinião é do cientista político Eduardo Viola, 66, o principal analista de mudança climática e relações internacionais em atividade no Brasil. Professor da Universidade de Brasília, o portenho naturalizado brasileiro diz que o Brasil passou por uma virada conservadora a partir do primeiro governo Dilma, que enterrou o protagonismo que o país havia alcançado nas negociações internacionais de clima em 2009. Naquele ano, na conferência de Copenhague, o país havia adotado uma meta ousada para uma nação em desenvolvimento, amparado na redução do desmatamento na Amazônia.
“Há um momento incrível em 2009/2010 e depois o oposto. Em 2009 mudança de posição foi mais avançada do que havia base na sociedade para sustentar. Mas o que veio depois foi muito mais atrasado do que havia base na sociedade para sustentar”, compara Viola.
Uma proposta ambiciosa poderia surgir “como marketing político”, diz, mas não haveria ações concretas para implementá-la neste governo. A questão, pondera Viola, é de governança. “O país está tomado pelo curto prazo. Há uma profunda crise econômica, política e moral. Isso provoca uma desagregação do tecido social, da capacidade de ação coletiva, cinismo”, diz. “A capacidade de colocar a questão da mudança climática no radar da opinião pública é menor, apesar das questões da crise da água e dos reservatórios de energia.”
Um indicativo do que vem por aí, argumenta, foi a declaração bilateral sobre clima produzida por Dilma e pelo presidente dos EUA, Barack Obama, no final do mês passado. Entre as propostas anunciadas está zerar o desmatamento ilegal até 2030. “Como se adia a legalização, o estado de direito? Como pode ser que se precise ainda de mais 15 anos para cumprir a lei? A lei! Eu acho que isso dá uma mostra de conservadorismo extremo”, afirma o professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB.
Segundo ele, o argumento de que é difícil eliminar a ilegalidade é um sinal de “inércia mental”: repete-se o mesmo argumento de antes de 2005, quando se dizia que era impossível controlar o desmatamento na Amazônia. “A história demonstrou que o Brasil não é impotente contra a ilegalidade.”
Leia a seguir a entrevista ao OC, concedida em sua sala na universidade.
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Quais são as principais diferenças de contexto internacional entre a COP15, em Copenhague, em 2009, e a COP21, em Paris?
Em Copenhague nós estávamos em um “momentum”, por causa da mudança nos Estados Unidos, com Barack Obama assumindo a presidência. No centro do sistema havia uma tentativa de mudança. Então havia possibilidade de um acordo muito significativo. Você tinha a União Europeia com uma posição avançada, ainda não erodida na sua liderança pela crise econômica, e a possibilidade de Obama engajar a China.
O que é melhor hoje em relação a Copenhague é que, nos últimos anos, a maioria dos grandes países do sistema introduziu algum tipo de política de descarbonização, muito parcial. A China, por exemplo, até 2008 era um país que tinha um modelo de crescimento hipercarbono-intensivo. Agora está um pouco menos. Nos EUA Houve uma mudança, claramente: a revolução do shale gas [gás de folhelho], que produziu uma redução de emissões. Por outro lado, o Congresso é mais conservador, embora neste momento haja uma nova ascensão de uma opinião pública que considera relevante mitigar a mudança climática. E isso se manifesta numa mudança do discurso republicano: de “a mudança climática é uma fraude” para “eu não sou um cientista”.
Do lado negativo, comparado com 2009, há um aumento da conflitividade geopolítica no sistema internacional. Para ter avanços em governança global do clima, uma coisa importante é um estado mais limitado de conflitividade geopolítica, e isso piorou. A questão fundamental está na Ucrânia, mas nós temos uma situação muito mais incerta e crítica no Oriente Médio do que em 2009, e uma conflitividade muito mais acentuada no mar da China Meridional e no mar da China do Leste. Tudo na volta da geopolítica, da conflitividade, da territorialidade interestatal. Num lugar central para a navegação no mundo, que é a China meridional, um nível de presença de navios de guerra impressionante.
Por outro lado, no que importa em termos de energia a China parece alinhada com os EUA, inclusive se beneficiando da revolução do gás de folhelho e do chamado “tight oil”, porque sobra todo o petróleo barato do Oriente Médio para eles. E a Rússia sempre foi um pária nas negociações.
Um ponto são as negociações, o outro é o que acontece com o conjunto da dinâmica do sistema. De um lado temos a interdependência crescente em todas as dimensões, que é uma dinâmica de convergência sistêmica, que favorece um acordo de descarbonização. De outro lado nós temos as sobrevivências, o revival de conflitividade geopolítica, que erode a convergência.
Há outro ponto importante e que pode ser muito negativo: o preço do petróleo. No nível que estava em 2008, ele favorecia muito a instalação de energias renováveis. Isso já se internalizou no sistema. As energias renováveis avançaram em competitividade enormemente. O preço do petróleo baixo como está neste momento, porém, pode ter o efeito de tornar mais lento o crescimento de renováveis nos próximos anos.
Um outro componente é a renovação da elite saudita. Eles sempre controlaram a produção em uma ideia de preço alto. Antes a ideia dessa elite era: a limitação ao uso do petróleo será muito lenta, então a gente pode vender caro todo o petróleo do subsolo. Neste momento mudou a percepção: o que importa agora é ganhar fatias de mercado, porque não adianta guardar o petróleo por muito tempo porque em algum momento ele não vai ser mais viável.
E o Brasil?
A situação é muito diferente entre 2009 e 2015. Em 2009 nós tínhamos um país que estava vindo de uma dinâmica de prosperidade econômica e começando a pensar mais no longo prazo. Numa sociedade tomada pelo curto prazo, uma política climática é inatingível.
Nós tínhamos uma macroeconomia aparentemente em ordem e, além disso, todo o processo de superação da maldição amazônica, da impotência para controlar o desmatamento. Então, tínhamos passado de 2004, quanto tudo isso era incontrolável, para anos de redução sistemática e agressiva das emissões. Estávamos no fim de um ciclo supervirtuoso de empoderamento das forças favoráveis à mitigação da mudança climática e à descarbonização da economia. Outra coisa muito importante: tínhamos um ministro de Meio Ambiente que era o representante das forças descarbonizantes dentro do gabinete ministerial. Carlos Minc era um ministro muito forte. Mais forte que Marina Silva, porque ele foi muito mais incisivo na sua capacidade de confrontar o Lula.
“Há uma profunda crise econômica, política e moral. Isso significa que as forças descarbonizantes brasileiras estão num contexto social muito desfavorável. A capacidade de colocar a mudança climática no radar da opinião pública é menor, apesar das questões da crise da água e dos reservatórios de energia”
Enfrentar o Lula e a Dilma também, não?
Sim. Minc operou a partir da acumulação feita por Marina. Não poderia ter havido o Minc em 2008, 2009, sem Marina nos anos anteriores. Mas a queda da Marina, que parecia ser um retrocesso, acabou sendo um aprofundamento por um ministro superincisivo. Tivemos isso, mais a dissidência de Marina [do PT] como potencial candidata presidencial, mais a coalizão de governadores amazônicos, mais os sinais claros da formação de coalizões empresariais assustadas pela passagem da lei Waxman-Markey na Câmara dos Deputados nos EUA. Havia uma confluência de forças extraordinariamente favoráveis ao grande pulo do Brasil no posicionamento internacional.
Agora estamos no ambiente oposto. Primeiro, o país está tomado pelo curto prazo. Há uma profunda crise econômica, política e moral. Isso provoca uma desagregação do tecido social, da capacidade de ação coletiva, cinismo, com espasmos de ação coletiva como manifestações de rua, mas que não acumulam.
Isso significa que as forças descarbonizantes brasileiras, que vão muito além dos ambientalistas, estão num contexto social muito desfavorável. Então a capacidade de colocar a questão da mudança climática no radar da opinião pública é menor, apesar das questões da crise da água e dos reservatórios de energia. Se isso [a crise hídrica] tivesse acontecido em 2009, teria acumulado, mas, neste momento, isso tudo tem que lutar contra a crise econômica, política e moral.
Segundo, o efeito do empoderamento do Brasil já está distante. O Brasil fez em determinado momento muita coisa e depois não está fazendo quase nada. A lei de mudança climática não está sendo implementada. O Brasil reduziu emissões facílimo, a baixo custo, porque antes era vergonhoso. Uma coisa típica da propaganda brasileira é dizer que reduziu emissões como ninguém…
E as pessoas aparentemente acreditam nisso.
Só que até 2004 o Brasil era o extremo do mundo em irracionalidade. Era o único país de renda média que tinha emissões maciças de desmatamento. Todos os países de emissões maciças de desmatamento são países pobres. Desde 1990 as emissões brasileiras derivadas do desmatamento são as emissões mais perversas do mundo, porque não têm nenhuma componente de atenuar a pobreza, como uma termelétrica chinesa. Entre 1992 e 2004 o Brasil foi o país mais irresponsável do mundo. É isso o que precisa ser dito. Reduziu como ninguém depois, mas compensou um extremo do outro lado. Se há uma coisa fundamental para destacar é isso: o total exagero da propaganda brasileira da redução de emissões. E a mídia muitas vezes acredita nela.
E há outro ponto importante: nós temos uma total mudança da posição do Ministério do Meio Ambiente dentro do governo brasileiro. O Ministério do Meio Ambiente desde Sarney Filho até Minc era o representante de forças ambientalistas no gabinete brasileiro. A partir de 2011, o Ministério do Meio Ambiente perde totalmente esse papel, porque a ministra do Meio Ambiente não tem nenhum poder político e basicamente opera em função das necessidades da Presidência.
“Entre 1992 e 2004 o Brasil foi o país mais irresponsável do mundo. É isso o que precisa ser dito. Reduziu como ninguém depois, mas compensou um extremo do outro lado. Se há uma coisa fundamental para destacar é isso: o total exagero da propaganda brasileira da redução de emissões”
Diante desse contexto, o Brasil não tem condições de assumir uma meta ambiciosa em Paris?
Condições teria, mas não esta coalizão governante. Objetivamente, o Brasil teria condições de assumir uma meta ambiciosa com uma proposta de desmatamento líquido zero e forte promoção de agricultura de baixo carbono e redefinição de investimentos no setor de energia bem favoráveis a solar fotovoltaica, eólica e mudar a rede de transmissão. Mas a mentalidade, a visão de mundo da Presidente da República, da coalizão governante e do modo como se governa no Brasil, o presidencialismo de cooptação, impedem que o Brasil tenha uma meta ambiciosa. Mesmo que tenha, com este tipo de governo ela não avançará em seu cumprimento.
Por outro lado, a Presidente da República está numa situação politicamente tão delicada que precisa de boas notícias para dar no governo. E talvez uma boa notícia para dar para uma classe média descrente no papel dela no governo e sofrendo em São Paulo e Rio as consequências da estiagem seja nessa área de clima.
Correto, é um fator. Eu chamaria neste momento muito mais de marketing político. E pode eventualmente ser assumido pela presidente, dependendo do que defina o marqueteiro dela. Mas, pelas características da mentalidade da presidente, pela ideia que ela tem da sociedade, deste momento econômico e tudo o mais, isso não é consistente. Pode ser que a meta seja colocada, mas isso não significa que as políticas do governo brasileiro serão orientadas por isso. Uma coisa, porém, é uma meta consistente, para ser implementada. Outra coisa é uma meta que é marketing político.
Mas a nossa meta de 2009 foi marketing político também. E virou lei.
Eu não diria que em 2009 foi marketing político. O que houve foi um acúmulo de forças sociais: a redução do desmatamento, o avanço do etanol. Você tem uma virada. E a virada é produzida porque há uma mudança na realidade. Passamos de uma situação terrível para uma situação média. Não estava escrito que, com Dilma, teria acontecido o que aconteceu. Você poderia ter tido a partir de 2011 uma política energética e climática muito mais consistente. Há um momento incrível em 2009/2010 e depois o oposto. Em 2009 mudança de posição foi mais avançada do que havia base na sociedade para sustentar. Mas o que veio depois foi muito mais atrasado do que havia base na sociedade para sustentar.
Isso não quer dizer que uma meta ambiciosa não seria uma coisa boa. O governo Dilma não vai implementar, mas ela ficaria como legado, como compromisso do Brasil.
Mas a própria estrutura do acordo de Paris favorece esse aumento de ambição posterior. A gente já vai chegar lá sabendo que o que está na mesa é insuficiente, mas, dependendo do que for ajustado para as revisões periódicas que estão sendo previstas e para a visão de longo prazo, pode-se chegar lá.
Claro, mas cuidado com um ponto fundamental: o mais importante não é o acordo de Paris. O mais importante são as dinâmicas do sistema energético, econômico e político de EUA, União Europeia, China, agora Índia também, infelizmente. O acordo de Paris será uma síntese momentânea desses principais drivers do sistema. Quando a gente vê como está evoluindo a economia política internacional da mudança climática, a gente vê que o acordo das COPs é apenas uma pequena parte. O mais importante é o que acontece no fluxo de matéria e energia do centro do sistema.
A única maneira de ter um acordo significativo em Paris seria se EUA e China tivessem metas ambiciosas, o que nós sabemos que não têm. A UE é a única unidade do sistema que tem uma visão de mundo consistente e comprometida com a descarbonização.
Mas Paris, mesmo sem resolver o problema, poderia dar o sinal para o sistema para que o problema seja resolvido, não?
Paris vai dar um sinal. Nós estamos num processo de lenta e gradual descarbonização nos últimos anos. O que Paris pode fazer é tornar esse sinal de descarbonização mais claro e mais denso. Existe incerteza em relação a Paris, mas não as grandes incertezas. Outro ponto é uma coisa que eu critico no que vem sendo às vezes veiculado pelos ambientalistas: a ideia de que o Brasil pode ser um líder. Para ser líder você tem que estar no centro do sistema. O Brasil está num segundo nível de influência. Mas poderia ser co-líder, com a UE, por exemplo. O segundo ponto é que hoje nem co-líder ele poderia ser. A credibilidade do Brasil caiu muito nos últimos anos, em todas as áreas. Em 2009 o Brasil era um país emergente. Hoje é um país…
…submergente.
(Risos) …emergente que está declinando. Todo mundo sabe que o Brasil tem desequilíbrios econômicos gigantescos, que a crise política e moral é profundíssima, o caso de corrupção na Petrobras é um dos maiores do sistema internacional, tudo isso faz com que a voz do Brasil seja muito diferente de 2009. Mas uma coisa é hoje; outra coisa são transformações na mentalidade da opinião pública que se traduzam em mudanças na governança do Brasil no futuro. Aí sim, vêm os fundamentos do Brasil no ciclo do carbono. É um país que tem fundamentos favoráveis para ser ambicioso no médio e longo prazo.
Qual é a sua avaliação sobre as propostas apresentadas pela presidente Dilma Rousseff em Washington em junho – zerar o desmatamento ilegal até 2030, reflorestar 12 milhões de hectares e chegar a 28% a 33% de renováveis na matriz?
Primeiramente, do ponto de vista da consistência do compromisso com uma economia de baixo carbono, nós temos claramente uma proposta hoje muito robusta e viável, que é a do Observatório do Clima. É a que eu defendo como cidadão.
Como cientista político, eu digo – e essa é uma crítica que eu faço – que a questão não é apelar a Dilma para que faça isso. Este é o engano de fazer política tentando mediar ou agradar ao poder. Você faz uma proposta muito correta e ao mesmo tempo apela ao governo para que a adote, quando o que você tem que fazer é criticar o governo por fazer o oposto de tudo o que você propõe. Para você avançar na pauta do clima, uma coisa decisiva é a reforma da governabilidade no Brasil. O que não é uma coisa iminente. Pode até vir, dependendo de até onde se aprofunde a contestação na sociedade. Mas isso não é por causa do clima. Hoje nós temos uma classe política dissociada da sociedade, que procura ganhos rentísticos para eles e os diversos grupos com quem eles se associam. Há toda uma lógica de promiscuidade entre o poder político e interesses particulares mais diversos.
Mas isso já é apontado desde Gilberto Freyre.
Mas descarbonizar a economia é uma coisa que envolve o bem público mais profundo, o longo prazo, as futuras gerações. E toda a lógica do sistema político é de particularismos de curto prazo. Então, o ponto-chave é que você tem que dizer a verdade à sociedade. Porque senão você acaba apostando em mais uma coisinha de ganho particularista de curto prazo: “ah, vamos ver se o governo pega alguma coisinha”. Quando o ponto não é esse: a questão é vincular a questão do clima a questões mais profundas da sociedade brasileira. Você tem que difundir na sociedade a ideia de que isso [a forma como o governo age no clima] está totalmente ligado à corrupção, a eliminar o fator previdenciário, tudo de curto prazo, populista, quando nós precisamos de um Estado universalista de longo prazo – o oposto do que nós temos aqui. Isso significa que a proposta brasileira vai ser ruim? Vai ser! Mas pelo menos você avança na criação de constituency [público]. O ponto não é um ganho hoje, até porque o Brasil é um ator secundário numa dinâmica global. O ponto é como você ganha solidez de consciência e uma coalizão de forças descarbonizantes para o futuro.
O sr. está dizendo, então, que é preciso parar de tentar incidir sobre este governo e esquecer Paris.
Não é esquecer Paris, mas diminuir sua importância. E avançar na influência sobre o empresariado brasileiro e a sociedade em geral. Hoje o que é decisivo é o OC disseminar ao máximo a sua proposta. Mas não querendo agradar ao governo brasileiro, mas querendo avançar na criação de uma consciência de longo prazo. Outra notícia boa, a ver como evolui, é a formação da Coalizão Clima, Florestas e Agricultura. É decisivo que avance o setor descarbonizante do empresariado. Por isso essa coalizão é importante, porque alia atores ideacionais [ONGs] e materiais [empresas].
O ator descarbonizante da sociedade brasileira precisa encarar de frente a questão da governança do Brasil. Isso é o ponto de partida. Sem isso, a possibilidade de avançar na descarbonização é mínima. Ela já avançou muito no contexto desse tipo de governança atrasada. Não dá para não entrar nisso.
Mas e a proposta da presidente?
Não se pode se falar da insuficiência da proposta brasileira sem falar da insuficiência da proposta americana. Os EUA são um país que tem uma atitude muito pouco responsável. Não por causa do presidente Obama; isso é uma síntese da sociedade americana. Eu acho que Obama tem um compromisso mais consistente. Mas a resultante da sociedade é medíocre, muito aquém da responsabilidade. E os Estados Unidos, quando mudam seu ano-base de 1990 para 2005, já causam uma erosão profunda na própria credibilidade. OK, Obama se diferencia de [George W.] Bush, mas rende um tributo a Bush mudando o ano-base.
No caso do Brasil, indo para o desmatamento, como se adia a legalização, o estado de direito? Como pode ser que se precise ainda de mais 15 anos para cumprir a lei? A lei! Eu acho que isso dá uma mostra de conservadorismo extremo. Porque é uma coisa que de certa forma reproduz o argumento anterior a 2005, de que diminuir o desmatamento na Amazônia era impossível e que teria um custo gigantesco.
“Não se pode falar da insuficiência da proposta brasileira sem falar da insuficiência da proposta americana. Os EUA são um país que tem uma atitude muito pouco responsável. Não por causa do presidente Obama; isso é uma síntese da sociedade americana”
São dois argumentos, não? O primeiro o de que “aqui ninguém mexe porque é o nosso direito inalienável ao desenvolvimento”. E o segundo argumento é o de que “mesmo se não fosse, a gente não vai conseguir controlar”.
O que a política de Marina [Silva] e [Carlos] Minc mostrou é que isso estava furado. Mas é importante lembrar isso, porque está se repetindo agora. O problema da impotência une todos os partidos políticos. A fase mais predatória para o bem público no Brasil, do ponto de vista nacional e internacional, foi entre 1990 e 2004. E isso pega oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso. As coisas estão bem distribuídas (risos)! E isso mudou durante um governo do PT, porque uma ala do PT, que era a Marina Silva, mudou a posição e levou as coisas sério. E, a um custo ínfimo, conseguiu fazer algo que as elites brasileiras consideravam impossível.
Hoje o argumento se repete, dizendo que é preciso tempo para zerar o desmatamento ilegal. O que isso traduz é uma inércia mental e de vontade. A história demonstrou que o Brasil não é impotente contra a ilegalidade. Nesse sentido, me parece extremamente conservador o argumento.