Os rios de superfície podem salvar as geleiras da Antártida?
Estudos publicados hoje no site da revista científica britânica Nature divergem sobre o impacto da água corrente em grandes massas de gelo. Afinal, os rios de superfície aceleram ou retardam o derretimento de geleiras na Antártida?
O ruptura de grandes plataformas de gelo é motivo de preocupação e objeto de inúmeras pesquisas com o avanço das mudanças climáticas e o aumento da temperatura do planeta. Estima-se que o aquecimento do ar possa dobrar ou até triplicar as taxas de derretimento em quase todas as plataformas de gelo até 2050, elevando o nível do mar a níveis perigosos para a humanidade.
Em um esforço que reuniu registros históricos e imagens de satélite, pesquisadores de duas grandes universidades mapearam um fenômeno relativamente recente: os rios de superfície identificados nas geleiras. A partir de inúmeras análises, tentaram compreender o papel da água corrente no colapso ou na manutenção destas grandes estruturas de gelo.
A pesquisadora americana Robin E. Bell e um time de cientistas da Universidade Columbia concluíram que os lagos de superfície seriam uma força a favor do derretimento. As fendas das geleiras preenchidas com água, segundo este estudo, induziriam à formação de novas fendas, levando a uma reação em cadeia que culmina com o derretimento da geleira.
“O transporte da água teria o papel de acelerar a perda de massa da geleira à medida que forma o chamado gelo azul (um tipo de gelo formado pela compactação da neve sob grande pressão no fundo de uma geleira), dando ainda mais combustível à desintegração”, afirmou Bell, no estudo. A proliferação destes rios teria o poder, portanto, de acelerar ainda mais o derretimento.
A pesquisadora britânica Alison Banwell, da Universidade de Cambridge, chegou a uma conclusão diferente. De acordo com o estudo que apresenta hoje, a presença de rios nas geleiras da Antártida poderiam mitigar a pressão sofrida pelo derretimento. Segundo Alison, o processo de exportação de água diminui o risco de quebra da plataforma – e o aumento na cobertura de lagos ainda diminui o derretimento superficial, uma vez que a água absorve mais radiação do Sol do que o gelo.
“Se por um lado os rios agem como cargas de superfície nas plataformas de gelo, elas também desempenham um papel crucial na distribuição da água derretida”, disse no estudo. A pesquisadora destacou a presença de centenas de lagos e redes de rios que têm persistido durante décadas nas prateleiras de gelo da Antártida, muitas vezes transportando água por até 120 Km de distância.
O impacto da nova massa de água na estabilidade da plataforma ainda é discutível. Se Alison estiver certa, plataformas de gelo como a Amery, a Filchner-Ronne, a Larsen C e a Ross, poderão ter uma força a mais e a ameaça pode ser menor que os modelos atuais previram. Se Bell estiver certa, será preciso acelerar o combate às mudanças climáticas, sob pena de presenciar grandes desastres nas regiões litorâneas.