Ondas de calor afetarão meio mundo (literalmente!) no fim do século
Estudo indica que 48% da população da Terra estará exposta a temperaturas mortíferas até 2100, mesmo que a emissão de gases de efeito estufa seja reduzida drasticamente
LUCIANA VICÁRIA
DO OC
As ondas de calor vão se multiplicar nos próximos anos, revela uma ampla análise publicada hoje (19) no periódico Nature Climate Change. Estima-se que atualmente cerca de 30% da população mundial esteja exposta anualmente a um misto de calor e umidade que pode levar à morte. Até 2100, porém, quase metade da população (48%) do planeta sentirá os efeitos das ondas de calor em um cenário de redução dramática de gases de efeito estufa. Já se a liberação de poluentes continuar a aumentar no ritmo atual, as ondas de calor vão ameaçar sete em cada dez seres humanos.
A metanálise, como é chamado esse tipo de estudo, avaliou 783 episódios mortais de ondas de calor com duração de mais de 20 dias, registrados em dezenas de estudos científicos por mais de 30 anos. Foram 164 cidades de 36 países analisadas, entre elas, Nova York, Washington, Los Angeles, Chicago, Toronto, Londres, Pequim, Tóquio, Sidney e São Paulo. “As projeções variam entre o ruim e o terrível, até o melhor dos cenários está longe de ser favorável”, disse o colombiano Camilo Mora, professor associado da Universidade do Havaí, em Manoa, coordenador do estudo. “Se as emissões não forem reduzidas drasticamente teremos de lidar com mortes em massa em níveis nunca experimentados em nossa história”, disse.
Ao analisar as ondas de calor e seus efeitos ao longo da história, os cientistas conseguiram identificar as combinações letais entre umidade e temperatura em cada canto da Terra. Em São Paulo, por exemplo, temperaturas esbarrando nos 30 graus e percentual de umidade acima dos 90% são sinal de alerta para ondas de calor com potencial letal. Um mapa interativo permite selecionar a localidade, contar o número de dias de ameaça por ano e identificar a combinação perigosa entre temperatura e umidade.
Para dar uma ideia, até 2100, Nova York deverá ter cerca de 50 dias por ano com temperaturas e umidades superiores ao limiar em que as pessoas morreram anteriormente. O número de dias mortíferos para Sidney será de 20; e, para Los Angeles, de 30. Todo o verão de Orlando e Houston terão potencial de matar por calor. Em 2050, num cenário moderado de redução de emissões, São Paulo poderá ter cinco dias letais por ano. Em Cuiabá seriam 116.
O estudo também revelou que o maior risco para a vida humana vai estar nas áreas tropicais, devido ao clima quente e úmido. Para latitudes mais altas, o risco de calor mortal é limitado ao verão. As ondas de calor acontecem quando temperatura alta e umidade elevada se prolongam por mais de três dias, com temperaturas acima de 85% da média do mês mais quente.
Estudos anteriores já haviam projetado o aumento das ondas de calor, mesmo diante de temperaturas médias abaixo do 1,5° C, limite ideal estabelecido pelo Acordo de Paris. Também mostraram que países em desenvolvimento, como a Índia, com populações vulneráveis e condições climáticas específicas, como baixa latitude, alta umidade e calor intenso, terão de conviver com mais ondas de calor pelos próximos anos. Na Índia, basta mais meio grau Celsius na temperatura média para multiplicar por 2,5 a frequência, a intensidade e a duração das ondas de calor.
Mas afinal, como o calor é capaz de matar? O corpo humano está “programado” para funcionar dentro de uma faixa estreita de temperatura corporal, que varia em torno dos 37°C. O ambiente quente e úmido faz o corpo perder a capacidade de dissipar o próprio calor, gerando o que se chama de estresse térmico. A hipertermia pode levar à perda progressiva de funções vitais, condição que pode atingir, especialmente, grupos mais vulneráveis, como populações mais pobres, idosos e crianças. “Há dois desafios para reduzirmos o risco de morte que os números insistem em nos mostrar. O primeiro deles é reduzir as emissões de gases urgentemente, ao contrário do que preconiza o líder dos EUA, Donald Trump. O segundo desafio é investirmos em planos de adaptação para as áreas mais vulneráveis”, diz Mora.