CARLOS RITTL
Dilma Rousseff provavelmente não se orgulhará disso, mas deverá entrar para a história como a presidente que assinou o fim do pré-sal.
Sei que essa afirmação não faz sentido à primeira vista. Todos lembrarão as eleições de 2014, quando a campanha de Dilma levou ao ar o filmete que acusava sua adversária, Marina Silva, de roubar o futuro das criancinhas por ter declarado que reduziria a prioridade da exploração do petróleo ultraprofundo.
Em 2015, no entanto, a sanha petroleira do governo esbarrou no muro da realidade, cujo tijolo final talvez tenha sido assentado pela própria presidente, ao ordenar a sua ministra do Meio Ambiente e a seus embaixadores que negociassem um bom acordo do clima em Paris.
O Acordo de Paris estabelece o objetivo de manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2º C. Na prática, isso significa que a humanidade não poderá emitir mais do que 850 bilhões de toneladas de CO2 entre hoje e o fim dos tempos.
Ocorre que as reservas comprovadas de combustíveis fósseis, pré-sal incluído, contêm pelo menos três vezes isso. O acordo do clima sacramentou, portanto, que a humanidade se comprometeu a deixar a maior parte do petróleo no subsolo.
Mas há um complemento ao objetivo no acordo: o documento fala em “envidar esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5º C”. Nesse cenário, a restrição à exploração de combustíveis fósseis será ainda maior. No longo prazo, portanto, o pré-sal não tem muito futuro.
Mas e no curto prazo? A promessa climática do Brasil, a chamada INDC, não traz nenhuma revolução renovável para o setor de energia do país. Pelo contrário, logo após o seu anúncio, em setembro passado, o governo divulgou seus planos para a expansão da geração de energia do país nos próximos dez anos, com 70,6% dos investimentos projetados para combustíveis fósseis (quase R$ 1 trilhão).
A princípio, o Brasil poderia se valer de sua condição de país em desenvolvimento e querer torrar ou exportar todo o petróleo do pré-sal nos próximos dez ou 15 anos.
Poderia. Não fossem os outros tijolos do muro da realidade.
O principal deles é o choque de oferta, causado pelo óleo não convencional dos EUA e pela retomada da produção no Iraque. Neste ano, o preço do barril de petróleo caiu para menos de US$ 30, abaixo do mínimo de US$ 40 que o governo tem dito ser o limite da viabilidade do pré-sal. É difícil prever por quanto tempo os preços ficarão baixos.
Enquanto esse cenário perdurar, o risco financeiro do investimento em escala no pré-sal se manterá alto.
No Brasil, o custo de extração é alto e sua velocidade é baixa, e não há como alterar essa realidade no curto prazo. As causas são bem conhecidas: a decisão de ter a Petrobras como operadora única do pré-sal, a política de preços de combustíveis e a política de conteúdo nacional, cujos resultados mais conhecidos nos vêm sendo apresentados pelo juiz Sérgio Moro.
Será difícil atingir um patamar de produção significativo antes que o torniquete do Acordo de Paris comece a apertar.
A combinação entre conjuntura internacional desfavorável, erros do governo e, agora, restrições climáticas futuras toca o sino da morte para o sonho petroleiro do Brasil. Se a escola de nossas crianças depende mesmo do petróleo, como quis fazer crer a propaganda, então estamos numa roubada mais profunda que a camada do pré-sal.
CARLOS RITTL, 46, doutor em biologia tropical e recursos naturais, é secretário-executivo do Observatório do Clima
Este artigo foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo