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Negacionismo vem de “baixo clero militar”, diz Galvão

Ex-diretor do Inpe diz que desmatamento deve passar dos 10.000 km2 em 2020 e que Conselho da Amazônia deixou Salles “livre para fazer o que quiser”

18.04.2020 - Atualizado 11.03.2024 às 08:29 |

PAULINA CHAMORRO
DO VOZES DO PLANETA
CLAUDIO ANGELO
DO OC

Os sucessivos ataques à razão e à ciência vistos no governo Bolsonaro são obra de um “baixo clero militar”, representado pelo Presidente da República, que predomina sobre um núcleo mais racional de oficiais superiores. Quem diz é Ricardo Galvão, 72, professor do Instituto de Física da USP, que protagonizou um dos maiores embates públicos com o presidente em 2019.

Galvão era diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais em junho, quando os alertas do sistema de monitoramento Deter mostraram uma explosão do desmatamento na Amazônia. Bolsonaro disse que os dados eram mentirosos e que o diretor deveria estar “a serviço de alguma ONG”. No dia seguinte, Galvão declarou ao jornal O Estado de S.Paulo que Bolsonaro tivera uma atitude “covarde e pusilânime” e que não podia falar de ciência como se estivesse “no botequim”.

O episódio causou sua demissão, mas pôs os olhos da opinião pública mundial sobre o Inpe e a Amazônia. No fim do ano, Galvão foi escolhido uma das dez personalidades do ano pela revista científica Nature.

Em entrevista ao podcast Vozes do Planeta nesta sexta-feira (17), o físico se disse surpreso e chocado com a demissão do presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), João Luiz Azevedo, que vinha pressionando contra a desidratação do órgão.

“Não é uma coisa pontual. Esse governo tem muita dificuldade no diálogo com a ciência. Isso vem por uma mentalidade, difícil dizer porque não gosto de generalizar, mas de um baixo clero militar”, afirmou, falando do sítio no interior paulista onde cumpre quarentena com a mulher devido à Covid-19. Segundo ele, há “exemplos espetaculares” de apoio à ciência nas Forças Armadas (o próprio CNPq foi criado por militares, assim como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA).

“Infelizmente neste governo dominou o baixo clero, na pessoa do Presidente da República, que infelizmente ouve aquele astrólogo que está nos EUA [Olavo de Carvalho] e tem problema seriíssimo com a ciência. [Eles] não aceitam resultados científicos que vão contra o que eles gostariam de escutar.”

Galvão afirmou ainda que as mudanças no Inpe após sua saída por enquanto não prejudicam o monitoramento da Amazônia, mas que a reestruturação na coordenação de Observação da Terra proposta por seu substituto interino, Darcton Damião, vem “por imposição de cima” e pode prejudicar a colaboração com a China no programa de satélites CBERS.

O ex-diretor não se arrisca a fazer previsões sobre o desmatamento na Amazônia neste ano, mas diz que a situação é “extremamente preocupante”. “Estamos vendo um aumento do desmatamento numa época que não é muito comum, não chegamos ainda na estação seca na Amazônia”, afirmou. “Neste ponto, esse problema do coronavírus veio para ajudar aqueles que são contra o controle do desmatamento.” Ele lembra que o compromisso assumido em lei pelo Brasil foi de limitar o desmate a 3.925 km2 em 2020. “Vamos passar longe disso. Tenho quase certeza de que passaremos dos 10.000. não sei se chegaremos aos 13.000 km2, 14.000 km2, mas é extremamente preocupante.”

A entrevista vai ao ar neste sábado. Ouça na íntegra no Spotify.

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