Após a chuva mais forte em pelo menos 90 anos, subiu para 136 o número de mortos na tragédia de Petrópolis – até a noite desta sexta-feira (18/2), 213 pessoas estavam desaparecidas e 967, desabrigadas. “Muitas vezes não temos como nos precaver de tudo”, disse o presidente Jair Bolsonaro em visita à cidade, seguindo o modus operandi “E daí, quer que eu faça o quê?” dos mortos na pandemia de Covid 19. As obras para realocar as famílias retiradas de suas casas após as grandes chuvas de 2011 e 2013 não foram feitas, admitiu o prefeito Rubens Bomtempo (PSB), que está no quarto mandato, atribuindo a responsabilidade aos governos federal e estadual. Já o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), gastou apenas metade do previsto no orçamento do ano passado para prevenção de catástrofes. E a história se repete como tragédia, carregando a digital da mudança do clima. Conversamos com um dos responsáveis pelo relatório de inspeção da área atingida pelas chuvas na região serrana do Rio em 2011, publicado no mesmo ano pelo Ministério do Meio Ambiente. O roteiro para evitar mortes estava lá, e nada foi feito. Boa Leitura.
NÃO OLHE PARA PETRÓPOLIS
Há 11 anos, quando a região serrana do Rio foi atingida por um temporal que matou ao menos 918 pessoas, um relatório feito pelo Ministério do Meio Ambiente apontou que o descumprimento do Código Florestal vigente na época estava diretamente ligado a grande parte das mortes. O documento mostrou que moradias foram construídas em áreas de preservação permanente (APPs), ou seja, dentro da faixa mínima de 30 metros em cada margem – para rios com até 10 metros de largura – que deveria ter sido mantida com vegetação nativa.
“Foi constatado que 92% dos deslizamentos que ocorreram naquela ocasião tinham alguma intervenção humana, seja pela construção de moradias, estradas e terraplanagem para construção, entre outras. Apenas 8% dos deslizamentos ocorreram em áreas com vegetação nativa bem conservada”, disse Wigold Schäffer, um dos autores do documento.
O relatório recomendava a desocupação das zonas de risco e o cumprimento da legislação. Nada disso ocorreu. Petrópolis, uma das cidades mais atingidas pela tragédia de 2011, tem um quinto de seu território sob alto risco: são mais de 12 mil moradias ameaçadas, segundo plano municipal de 2018.
O estudo Áreas de Preservação Permanente x Áreas de Rico – o que uma coisa tem a ver com a outra? avaliou 657 deslizamentos ocorridos na região serrana e mostrou que as regiões mais atingidas foram exatamente aquelas que, de acordo com o Código Florestal, deveriam ser preservadas: margens de rios, encostas com alta declividade, áreas nos topos de morros, montanhas e serras.
No fim de dezembro, um mês e meio antes de Petrópolis ser arrasada mais uma vez, o descaso virou lei. Em mais uma etapa do processo de desmonte da política ambiental brasileira, o Congresso Nacional aprovou uma medida que enfraqueceu ainda mais o Código Florestal. A Lei n° 14.285/21, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, tirou do Código Florestal a regulação das áreas de preservação permanente em zonas urbanas, deixando cada prefeito livre para decidir.
Criado após a catástrofe de 2011, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) teve o menor orçamento da história no ano passado.
IBAMA FISCALIZOU APENAS 6% DA ÁREA DESMATADA
Sob Bolsonaro, as ações de fiscalização do Ibama (multas e embargos) atingiram apenas 6% da área de desmatamento detectada na Amazônia, mostra estudo baseado na plataforma Mapbiomas Alerta. É mais uma evidência do processo de desmonte da política ambiental em curso no país desde 2019. Já mostramos que o nível de multas ambientais na Amazônia é o mais baixo em duas décadas – o desmatamento apurado pelo Inpe em 2021 foi o maior em 15 anos.
Com o monitoramento do Cerrado ameaçado por falta de recursos, o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que está de saída do governo para se candidatar a deputado, disse nesta semana que “o Inpe deu uma moscada”, lançando ao mar o diretor do Instituto, Clezio Nardin.
CAMINHO DO OURO
Metade do ouro exportado pelo Brasil tem origem suspeita, aponta estudo do Instituto Escolhas: 229 toneladas do metal comercializadas de 2015 a 2020 apresentam indícios de ilegalidade. Mais de 40 mil registros de comercialização de ouro e imagens de extração foram analisados. O instituto pede ações como a classificação do Brasil como área de conflito e alto risco para importações de ouro em listas como a que está em vigor na União Europeia. Também defende a aprovação de projeto de lei que acaba com a diferenciação entre mineração e garimpo, já que esta atividade também opera de forma industrial.
Nova refinaria de ouro na Amazônia, a maior do país, tem como sócio condenado por lavagem de dinheiro na Bélgica, revelou o Intercept
PL DO VENENO É APROVADO NA CÂMARA
A Câmara aprovou no dia 9/2 projeto de lei que tira o Ibama e a Anvisa do processo de aprovação e controle de agrotóxicos no país, entre outras medidas de enfraquecimento da legislação, deixando o terreno livre para o Ministério da Agricultura. Veja aqui como cada deputado votou. O deputado Luiz Nishimori (PL-PR), relator do projeto, assinou acordo de R$ 1,5 milhão para quitar dívida com a Syngenta, líder mundial do mercado de agrotóxicos, 14 meses antes da aprovação do texto, revelou o De Olho Nos Ruralistas. O PL, uma das prioridades do governo Bolsonaro e da bancada ruralista, seguiu para o Senado.