O economista australiano Luke Kemp fala durante a COP20, em Lima (Foto: IISD)

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EUA têm de sair de Paris, diz economista

Para pesquisador australiano, governo Trump atrapalha menos o acordo do clima se ficar de fora, e mundo deveria adotar barreiras comerciais contra produtos americanos

24.05.2017 - Atualizado 11.03.2024 às 08:28 |

CLAUDIO ANGELO
DO OC

Should I stay or should I go?”

Fãs da banda punk inglesa The Clash conhecem o dilema vivido hoje pela administração Donald Trump e que pode ter um desfecho nos próximos dias: permanecer ou não permanecer no acordo do clima de Paris? Um economista australiano acaba de dar uma resposta ao governo dos EUA, que também poderia vir na forma de uma canção: “Vá com Deus”.

Luke Kemp, da Universidade Nacional Australiana, em Camberra, publicou nesta semana um artigo no periódico científico Nature Climate Change no qual afirma que os EUA de Trump mais atrapalharão do que ajudarão a implementação do acordo caso decidam permanecer a bordo. Afinal, Trump já provou que não quer e não vai fazer nada em casa para cumprir a NDC, a meta de cortar até 28% das emissões americanas em 2025. Diante disso, afirma Kemp, a saída formal dos EUA do acordo seria apenas “um movimento simbólico”.

Desde que Trump foi eleito, na fatídica noite de 8 de novembro de 2016, o mundo inteiro espera e teme que a qualquer momento ele possa anunciar o cumprimento de sua promessa de campanha de cancelar a participação americana no pacto. A decisão, que divide o gabinete trumpista, pode ser anunciada antes da reunião do G20 na Itália, na semana que vem. O republicano tem recebido pedidos para permanecer dos quatro cantos da Terra, desde o presidente eleito da França, Emmanuel Macron, até os CEOs de centenas das maiores empresas americanas.

“É um ato reflexo”, disse Kemp ao OC. “As pessoas confundem o Acordo de Paris com a ação climática em geral, por isso temem a saída.”

Ocorre que não há nada na estrutura do tratado que obrigue os americanos a cumprir suas metas, por exemplo. A essência de Paris, e o grande risco assumido para que o acordo pudesse existir, é que todas as suas ações se baseiam no proverbial fio do bigode – a confiança mútua existente entre as nações em 2015 e que dificilmente se repetirá nos próximos anos.

Em seu artigo, Kemp enumera quatro efeitos devastadores de Trump para o acordo do clima: descumprir a NDC, cancelar o financiamento climático aos países pobres, estimular outros países a sair ou a não cumprir suas metas e bloquear as negociações internacionais do “manual de instruções” de Paris de forma a torná-lo mais fraco.

Nenhum desses efeitos requer a saída americana do pacto global. Ao contrário, para melar a construção do livro de regras, que deveria ficar pronto em 2018, os EUA teriam necessariamente de estar a bordo. Na ONU, as decisões são tomadas por consenso, e um país pode bloquear progresso dos outros 194. Esta pode ser uma razão pela qual o secretário de Estado de Trump, o petroleiro Rex Tillerson, tem defendido que o país mantenha um assento na mesa.

“Eles ganham poder de barganha”, raciocina Kemp. “Ter um assento dá a Trump, Tillerson e cia poder de veto nas negociações. Esse poder pode ser ainda maior se ameaçarem sair.”

Bem-feito para o mundo ao aprovar um acordo sob medida para os americanos. “O Acordo de Paris foi cego à ameaça de uma recalcitrância dos EUA, e foi, em vez disso, enfraquecido para permitir a participação legal dos EUA”, escreveu o pesquisador. Por exemplo, o caráter voluntário das NDCs, que permitiu a ratificação americana driblando o Congresso. “Foi uma miopia”, continua Kemp.

Mas como fica a ação climática no mundo pós-Estados Unidos? Kemp diz que há duas coisas que podem fortalecer o combate ao aquecimento global de agora em diante. Uma delas é a ascensão conjunta de China e União Europeia para preencher o vácuo de liderança dos EUA.

O gigante asiático, maior emissor de gases-estufa do mundo, está cacifado para esse papel pela dramática desaceleração de suas emissões nos últimos três anos. Uma análise publicada neste mês pelo consórcio CAT (Climate Action Tracker) mostra que China e Índia vão superar “de longe” suas metas de redução de emissões para 2030 caso o abandono do carvão mineral e de adoção das renováveis nos dois países siga no ritmo atual.

No caso da China, as emissões em 2030 podem ser até 2 bilhões de toneladas de CO2 (o equivalente a “um Brasil”) menores do que o estimado um ano atrás. Somente a queda na China mais do que compensaria o aumento estimado pelo Climate Action Tracker das emissões dos EUA naquele mesmo ano (450 milhões de toneladas) caso o frenesi antirregulatório de Trump vingue.

A segunda medida é mais difícil de implementar: Kemp sugere que os países que permanecerem cumprindo suas metas de Paris adotem tarifas de ajuste de fronteira sobre produtos americanos.

Esse tipo de taxação já vem sendo discutido nos bastidores e prometido em campanhas políticas há anos – a mais recente ameaça foi feita na corrida presidencial francesa, pelo derrotado Nicolas Sarkozy. Ele faz pleno sentido pelas regras da Organização Mundial do Comércio. O problema é que, dado o peso dos EUA no comércio internacional e dado o fato de o país ter o maior Exército do mundo, desafiar os americanos dessa forma não parece boa política. Kemp relativiza a dificuldade.

“As condições políticas estão tornando isso cada vez mais provável”, afirma. “Trump é um protecionista. O nacionalismo está em alta no mundo todo. Uma tarifa de ajuste de fronteira seria uma reação popular e óbvia se Trump tentasse impor medidas protecionistas de comércio enquanto se retira do Acordo de Paris.”

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