[:pt]Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais. (Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil)[:en]Área afetada pelo rompimento de barragem no distrito de Bento Rodrigues, zona rural de Mariana, em Minas Gerais[:]

#PRESS RELEASE

Dez barbaridades do PL do licenciamento ambiental

Texto com risco de aprovação pelo Senado beneficia grupos de interesse e socializa prejuízos.

29.08.2023 - Atualizado 11.03.2024 às 08:31 |

PRESS RELEASE

Pode ser votado a qualquer momento nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente do Senado o PL 2.159/2021, que implode as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Aprovado na Câmara num tratoraço em 2021, o texto é de interesse de dois dos lobbies mais poderosos do Congresso, o ruralista e o da indústria. Caso não seja muito aprimorado pelos senadores, tornará a maioria dos empreendimentos isenta de licença e de estudos de impacto ambiental, beneficiando empresas e socializando os prejuízos ambientais, sociais e para a saúde.

O licenciamento é a peça central da Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecida há mais de 40 anos. Antes dele, crianças nasciam sem cérebro por causa da poluição industrial em Cubatão e hidrelétricas alagavam milhares de quilômetros quadrados da Amazônia para gerar quase nada de energia. Por ter desfigurado o instituto do licenciamento ambiental, o PL 2.159 ficou conhecido como “mãe de todas as boiadas”. O relançamento do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), neste mês, aumenta a pressão pela aprovação da lei, mesmo que ela esteja em franco desalinho com as promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de incentivar a transição ecológica e zerar o desmatamento.

O Instituto Socioambiental e o Observatório do Clima publicaram uma nota técnica conjunta analisando o PL (leia aqui). O documento traz uma boa e uma má notícia. A má é que a lei, como está, tem um conjunto de inconsistências e inconstitucionalidades tão grande que será objeto de judicialização em massa — atravancando justamente o que ela se propõe a agilizar. A boa notícia é que o projeto tem conserto: os próprios senadores já propuseram várias emendas que amenizam problemas ou eliminam trechos inconstitucionais, bastando que a Casa as adote em substituição ao texto-base.

A seguir, estão elencados dez horrores ambientais do PL, analisados na nota do ISA e do OC.

1 – ISENÇÃO AMPLA, GERAL E IRRESTRITA

O artigo 8o do PL 2.159 traz uma lista de 13 tipos de empreendimento que estão isentos de licenciamento ambiental. Entre eles, estações de tratamento de esgoto e serviços de “melhoramento” de estruturas já existentes. Para dar apenas dois exemplos, o artigo poderia permitir que as barragens do rio Madeira fossem aumentadas e que a BR-319 (Porto Velho-Manaus), que corta a região mais preservada do bioma, fosse asfaltada, uma vez que o Dnit considera que a rodovia, que já teve asfalto no passado, seria apenas “repavimentada”.

2 – “BAIXO E MÉDIO IMPACTO”, QUEM DEFINE?

A lei diz que o licenciamento ambiental é necessário para empreendimentos com potencial de impacto ambiental, sendo menos rigoroso para obras de baixo e médio impactos. Até aí, tudo bem. Mas quem define o que é “baixo e médio impactos”? Segundo o artigo 4º do PL, cada “ente federado”, ou seja, cada estado e município pode simplesmente decretar que, digamos, aterros sanitários, barragens de rejeitos ou uma indústria qualquer não têm impacto significativo. Para evitar a barafunda de normas — e dispensas potencialmente trágicas — é preciso que haja uma lista mínima federal com os empreendimentos que estão sujeitos a licenciamento.

3 – FREE BOI: AGRO SEM LICENÇA

Quem quiser literalmente passar a boiada Brasil afora poderá fazê-lo sem precisar de licença ambiental: o artigo 9o do PL dispensa de licenciamento atividades de agricultura e pecuária extensiva, inclusive em potenciais terras griladas (o texto fala em isenção para propriedades com Cadastro Ambiental Rural “com pendência de homologação”; como o CAR é autodeclaratório, vale o que o fazendeiro disser que é dele, mesmo que não seja). A isenção contraria três julgamentos do STF, que determinaram a inconstitucionalidade de normas que davam passe livre ao agro.

4 – BRUMADINHO FEELINGS: RENOVAÇÃO AUTODECLARATÓRIA DE LICENÇA

Os parágrafos 4º e 5º do artigo 7o do PL 2.159 permitem ao empreendedor renovar sua licença vencida sem nenhuma consulta aos órgãos ambientais, apenas preenchendo uma declaração na internet. Assim, se a licença de um empreendimento vence antes de as condicionantes da licença serem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém. Imagine, por exemplo, que a renovação da licença de operação de uma barragem de rejeitos possa ser feita pela internet. Em condições melhores que essa tivemos Brumadinho, uma renovação de licença feita no tapetão e sem acompanhamento adequado. Pense agora no que ocorreria sem acompanhamento nenhum.

5 – LUCRO PRIVADO, PREJUÍZO PÚBLICO: LIMITAÇÃO DE CONDICIONANTES

Imagine que a implementação de uma obra — digamos, uma grande hidrelétrica de R$ 40 bilhões numa cidade do interior do Pará — cause um grande aumento populacional, levando a pressões sobre serviços públicos como saúde, segurança e saneamento. Imagine que o empreendedor sinta que é injusto que ele seja obrigado, pelas condicionantes do licenciamento, a construir escolas, presídios e rede de esgoto na cidade, mesmo que isso represente uma fração do valor da obra. Todo o ônus ficaria com a sociedade e o bônus com o empresário. É o que propõem os parágrafos 1º, 2º e 5º do artigo 13 do PL 2.159, que limitam de forma inconstitucional as condicionantes do licenciamento. Somente no exemplo da Ferrogrão, a limitação das condicionantes (no caso, medidas contra o desmatamento indireto induzido pela obra) pode causar a destruição de 53 mil km2 de florestas (um Rio Grande do Norte) até 2030. 

6 – AUTOLICENCIAMENTO PARA TODO MUNDO

Uma operação tapa-buraco na zona urbana de São Paulo não pode ter as mesmas exigências ambientais do asfaltamento de uma estrada no Pantanal, certo? Por isso desde 1997 o Conama já prevê que algumas atividades possam ter licenciamento ambiental simplificado. Só que o PL 2.159 leva isso ao extremo: em seu artigo 21, ele prevê que alguns empreendimentos possam se “autolicenciar”, com o empreendedor preenchendo um formulário na internet jurando ter boa conduta e sendo passível de fiscalização. Esse autolicenciamento, cujo nome técnico é Licença por Adesão e Compromisso (LAC), já foi adotado em alguns Estados e considerado constitucional pelo Supremo. Mas, no PL do licenciamento, a LAC pode ser aplicada a qualquer projeto não qualificado como de baixo e médio impactos. Ou seja, a lista tende a ser grande, já que as pressões pela flexibilização são mais efetivas sobre governos estaduais e prefeituras. A LAC tende a se tornar a regra, e o licenciamento, exceção. Para voltar ao exemplo de Brumadinho, a nota técnica estima que quase 86% dos processos de licenciamento de atividades minerárias em Minas Gerais poderão ser feitos por LAC caso a lei seja aprovada como está.

Outro artigo, o 11, prevê LAC para “ampliação de capacidade” de rodovias. É mais um caso em que a BR-319, no Amazonas, poderia ser feita sem licença ambiental.

7 – O CRIME COMPENSA: LICENÇA CORRETIVA ANISTIA MALFEITOS

A licença de operação corretiva, ou LOC, é aplicada quando um empreendimento está operando sem licença ambiental. É uma chance para o empreendedor de se emendar e se livrar de multa. Mas o artigo 22 do PL do licenciamento é excessivamente generoso: além de suspender as multas, ele anistia crimes ambientais passados e permite fazer a correção por adesão e compromisso. Dessa forma, compensa para o empreendedor simplesmente ignorar o licenciamento na hora de planejar a obra e entrar nesse grande “Refis” ambiental depois.

8 – AMEAÇA A INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E ÁREAS PROTEGIDAS

Um dos trechos mais graves do PL 2.159 são os artigos 39 a 42, que tratam das chamadas “autoridades envolvidas”, ou seja, do papel de Funai, Fundação Palmares, Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e ICMBio no licenciamento. O texto afirma que esses órgãos só poderão se manifestar sobre o licenciamento — e mesmo assim sem poder de veto — quando unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e sítios arqueológicos estiverem ou no canteiro de obras ou na sua zona de influência direta, ou seja, no seu entorno imediato. A análise de terras indígenas e quilombolas, além disso, só considera para fins de licenciamento aquelas que estiverem homologadas e tituladas. Isso deixaria desprotegidas 32% das terras indígenas e 92% dos territórios quilombolas do Brasil.

Para as unidades de conservação a situação é ainda pior: além de limitar a análise de impacto ao canteiro de obras (excluindo até as UCs no entorno do empreendimento), o artigo 58 do PL retira todo poder do ICMBio e dos órgãos ambientais estaduais de barrar obras. Assim, se o Dnit decidir abrir uma estrada no meio do Parque Nacional do Iguaçu, por exemplo, o órgão ambiental não poderá fazer nada senão aceitar uma compensação.

9 – PRAZOS IRREAIS

O artigo 43 do PL estipula prazos máximos para o licenciamento. Nos casos de maior complexidade, quando for exigido estudo de impacto ambiental — caso, por exemplo, de grandes hidrelétricas na Amazônia —, a licença prévia terá de ser expedida em dez meses. Os prazos curtos tendem a produzir mais tumulto no licenciamento e aumentar as judicializações.

10 – BANCOS FORA DO GANCHO

Em seu artigo 54, o PL 2.159 introduz um elemento inédito no arcabouço do licenciamento ambiental, que é impedir que os bancos sejam punidos por crimes ambientais cometidos por empreendimentos que eles financiam. A mera apresentação de uma licença pelo empreendimento — ainda que seja uma autolicença tirada online, que tende a se tornar a regra — já exclui os bancos de qualquer responsabilidade. Isso conflita com a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981, que prevê corresponsabilidade das instituições financeiras e é a base, por exemplo, do decreto que proibiu crédito bancário para desmatadores com áreas embargadas na Amazônia. 

Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 90 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

Sobre o ISA – O Instituto Socioambiental é uma associação civil, sem fins lucrativos, fundada em 22 de abril de 1994, por pessoas com formação e experiência marcante na luta por direitos sociais e ambientais. Sua missão institucional é defender bens e direitos sociais, coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e dos povos. Produz estudos, pesquisas, projetos e programas que promovam a sustentabilidade socioambiental, divulgando a diversidade cultural e biológica do país.

Informações para imprensa

Solange A. Barreira – Observatório do Clima

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