COP19 acumula polêmicas e poucos avanços nas negociações
Primeira semana da Conferência de Varsóvia reservou pouco espaço para discussões efetivas
Primeira semana da Conferência de Varsóvia reservou pouco espaço para discussões efetivas. Polarização entre países desenvolvidos e em desenvolvimento foi reforçada com a discussão sobre equidade e a proposta brasileira sobre emissões históricas. E mesmo o Brasil não escapou das polêmicas
As expectativas sobre uma COP intermediária, com poucos resultados políticos palpáveis, estão se confirmando aqui em Varsóvia, pelo menos depois de uma semana de negociação. No entanto, esperava-se que a COP 19 pudesse consolidar o caminho para o futuro acordo global em clima com uma agenda consistente de trabalho, o que não se viu nesses primeiros dias. Aproveitando o fato da COP 19 acontecer em um estádio de futebol, se a Conferência de Varsóvia fosse um jogo de futebol, a partida estaria se encaminhando para um empate com gosto de derrota. Um jogo com pouco a se aplaudir, e muito a se vaiar.
Emissões históricas
Um dos pontos que levantam bastante discussão – mas pouca decisão prática – entre os negociadores em Varsóvia é a questão das emissões históricas de gases de efeito estufa, abordada pelo governo brasileiro em sua proposta apresentada pouco antes da COP 19, que pede que os negociadores levem em consideração as emissões que foram feitas desde meados da Revolução Industrial na definição das metas de redução de cada país. A proposta brasileira se baseia num dos princípios mais importantes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (CQMC) e do Protocolo de Quioto, o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Esse princípio explica o fato de que países que desde o final do século XX são grandes emissões, como Índia, China e Brasil, não tenham compromissos de redução dentro do Protocolo de Quioto, que se limitam aos chamados “Países do Anexo I”, nações desenvolvidas e que historicamente emitiram mais gases de efeito estufa. Para os países em desenvolvimento, este princípio ajuda na garantia do direito das nações a se desenvolver. Para os países desenvolvidos, é uma forma das nações não desenvolvidas não se comprometerem com metas de redução. Isso foi bastante explicitado pelo governo norte-americano quando o país saiu do Protocolo, ainda no começo do governo George W. Bush (2001-2009), e continua sendo um ponto de discórdia nas negociações do novo acordo sucessor de Quioto.
No começo da COP 19, a delegação brasileira apresentou uma requisição para que os delegados consultassem um representante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) para avaliar a viabilidade do órgão para desenvolver uma metodologia de contabilização das emissões históricas de cada país. No entanto, os representantes das nações desenvolvidas rejeitaram categoricamente essa possibilidade, argumentando que a discussão ainda está no plano da política, e não no da ciência. Os países do G77 já se alinharam à proposta brasileira, e pressionam os negociadores para que esse tipo de emissão seja levado em consideração nas definições dos compromissos pós-2020. Por ora, não se espera nenhum avanço nas discussões sobre esse ponto, mas com certeza esse será um tema especial na agenda da próxima COP, que será realizada em Lima, Peru, no ano que vem.
Os “Fósseis” da semana: Austrália e Japão, com menção “honrosa” à Polônia
A “torcida” no Estádio Nacional, palco das negociações da COP 19, direcionou suas críticas mais ácidas para dois países em especial nessa primeira semana de negociações. A Austrália foi um dos países mais criticados pelos representantes da sociedade civil presentes em Varsóvia. O governo do primeiro-ministro conservador australiano Tony Abbott, empossado em setembro desse ano, vem desmontando toda a estrutura institucional e política montada pelos gabinetes anteriores (liderados pelo Partido Trabalhista australiano) na área de clima, e recentemente cancelou um imposto sobre carbono que já estava aprovado no Parlamento e rejeitou a entrada do país em um fundo internacional de apoio à adaptação e recuperação de países em desenvolvimento no âmbito da CQMC. Na COP 19, a delegação australiana vem adotando uma postura obstrucionista, dificultando a discussão de pontos que inclusive já foram tema de acordos na COP 18, realizada em Doha no ano passado – como o já citado fundo de reabilitação.
As manobras australianas receberam apoio da delegação japonesa em Varsóvia, mas foi apenas no final dessa primeira semana que o Japão entrou na mira das críticas na COP-19. O governo do país, que também passou por uma transição entre partidos políticos no gabinete, anunciou na quinta passada a revisão de suas metas de redução apresentadas em 2009 – 25% de redução das emissões com base em 1990. Os novos números do governo japonês apontam uma meta de redução de 3,8% das emissões com base em 2005 – que, em contas conservadoras, significam um aumento factual de mais de 3% das emissões do país com base na referência anterior (1990).
A meta japonesa foi recebida com muitas críticas de organizações da sociedade civil presentes na COP 19. Diversas entidades japonesas rejeitaram os novos números, apontando que o governo japonês “traiu a comunidade internacional” ao estabelecer metas de redução que na verdade levarão ao aumento das emissões do país. O governo japonês argumenta que a revisão se deve ao fechamento das usinas nucleares do país, depois do desastre de Fukushima, em 2011. No entanto, em declaração conjunta, as organizações da sociedade civil japonesa apontam que as metas anteriores poderiam ser tranquilamente cumpridas se o país investisse em fontes renováveis de energia, que manteriam a matriz energética do país sem carbono.
Os anfitriões da COP 19 não escaparam das críticas em Varsóvia. Desde o ano passado, quando a Polônia foi anunciada como sede da COP, ambientalistas e especialistas frequentemente levantavam dúvidas sobre a capacidade do governo polonês de liderar o processo de negociação em um momento bastante delicado como é este final de 2013. Uma semana depois da abertura dos trabalhos da COP 19, as críticas ganharam ainda mais ressonância. A condução da presidência da COP, sob responsabilidade do ministro polonês Marcin Korolec, vem sendo bastante criticada por não conseguir mobilizar os negociadores em torno de uma agenda de trabalho definida.
Além disso, a conduta da Polônia na própria negociação também alimenta as críticas. O país vem bloqueando entendimentos dentro da União Europeia sobre metas de redução, e no ano passado a delegação do país insistiu fortemente na questão do uso dos créditos de carbono acumulados do primeiro período do Protocolo de Quioto (o chamado “hot air”) no segundo período, iniciado em 2013. E na próxima semana, em paralelo à fase final de negociação da COP19, a capital polonesa receberá um grande evento da indústria do carvão – que alimenta 90% do consumo de energia do país – com apoio do governo polandês. O evento contará com a presença da secretária-executiva da CQMC, Christiana Figueres, o que também levantou objeções da sociedade civil presente na COP 19.
Brasil e o aumento na taxa de desmatamento da Amazônia
Esta Conferência de Varsóvia é um momento especial dentro da história da participação brasileira nas negociações em clima. Boa parte da equipe de negociação foi renovada, inclusive sua liderança: Luiz Alberto Figueiredo, antigo chefe da delegação brasileira nas COPs, agora é ministro de Relações Exteriores. A COP 19 é a primeira experiência em alto nível de negociação em clima do novo chefe, o embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho.
E a COP 19 promete ser um bom teste para a nova equipe. Um dos trunfos com o qual a delegação brasileira sempre contou nas últimas COPs não poderá ser apresentado: a queda no desmatamento na Amazônia Legal e a redução das emissões brasileiras. Na última quinta, a ministra Izabella Teixeira anunciou um aumento de 28% na taxa de desmatamento da Amazônia entre 2012 e 2013, a primeira alta em quatro anos.
Esse número já tinha sido esboçado um dia antes durante apresentação de Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, em evento paralelo organizado pela Climate Action Network Latin America (CAN-LA). No evento, Rittl apresentou os principais destaques dos dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), ferramenta do Observatório do Clima para monitorar as emissões nacionais em cinco setores (agropecuária, energia, mudança de uso da terra, processos industriais e resíduos), a partir de dados qualificados e recentes.
Para Rittl, a alta no desmatamento mostra como as políticas públicas em clima ainda dependem basicamente de ações contra o desmatamento. “Enquanto comemorávamos as reduções em mudança de uso do solo, que diminuíram nossas emissões gerais, as nossas emissões em setores como energia e agropecuária aumentaram consideravelmente”, aponta o secretário-executivo do OC.
Ainda que a ministra Izabella tenha apontado que esse dado não modificará a estratégia brasileira de negociação na COP 19, ponto reafirmado pelo embaixador Carvalho na press conference de ontem, o Brasil não contará neste ano com um trunfo muito importante na mesa de negociação de Varsóvia. Nos últimos anos, a delegação brasileira usava os números sobre desmatamento para apontar que o Brasil estava cumprindo seus compromissos voluntários de redução de emissões, em contraposição à inação de diversas partes do Protocolo de Quioto no cumprimento de suas metas obrigatórias.
O que esperar para o final da COP 19 e depois
A COP 19 começou sem grandes expectativas, mas se esperava que as negociações em Varsóvia pudessem consolidar um caminho para as negociações que serão conduzidas nas próximas COPs, em Lima (2014) e Paris (2015), e no encontro de chefes de Estado organizado pelo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, programado para setembro de 2014 em Nova York. Por ora, não se vê indicações de que a Conferência de Varsóvia consiga entregar sequer essa agenda de trabalho.
Para muitos negociadores, em especial dos países em desenvolvimento, um indicativo bastante forte de que as negociações sobre o novo acordo podem se tornar dramáticas em 2015 está na postura de muitas delegações em Varsóvia. Muito se discute, pouco se decide – ou seja, muitas decisões importantes estão sendo adiadas para a Conferência de Paris. Para alguns negociadores e observadores, isso pode tornar a COP 21 uma reunião similar à COP 15, de Copenhague, realizada em 2009: muito a se decidir, pouco entendimento, frustração e fracasso.
No espírito do futebol, se esperarmos muito tempo para marcar o único gol que precisamos para ganhar, não conseguiremos lidar com a pressão do jogo e da torcida. E o jogo segue aqui em Varsóvia.
Fotos: Bruno Toledo/OC