COP 19: Os resultados
Além das duas semanas de negociação, foram necessárias quase 24 horas a mais para que os negociadores conseguissem apresentar algumas decisões em temas estratégicos
Além das duas semanas de negociação, foram necessárias quase 24 horas a mais para que os negociadores conseguissem apresentar algumas decisões em temas estratégicos. Apenas REDD+ teve avanço considerável na COP 19.
Depois de duas semanas de discussão intensa no Estádio Nacional de Varsóvia, os negociadores da COP 19 precisaram de quase um dia a mais para poder fechar uma série de acordos em temas sensíveis na agenda de negociação internacional em clima. Dos temas mais importantes da agenda de Varsóvia – Plataforma de Durban (ADP), regime de compensação por perdas e danos (loss & damage), financiamento climático e pagamento por emissão reduzida a partir de esforço de combate ao desmatamento e à degradação florestal (REDD+) – apenas o último avançou consideravelmente na COP 19. As decisões nos demais temas foram conseguidas depois de prolongadas e cansativas reuniões, com direito a cenas dignas de assembleia estudantil e momentos de bastante tensão.
Abaixo, sistematizamos os principais resultados da COP 19.
Financiamento
Esperava-se que a Conferência de Varsóvia conseguisse fechar decisões em alguns pontos chave na agenda de negociação da UNFCCC. Primeiro, desde o ano passado, quando os países desenvolvidos em geral foram à Conferência de Doha sem compromissos de financiamento às ações de mitigação e adaptação às mudanças do clima nos países em desenvolvimento, existia a expectativa que a COP 19 conseguisse avançar na questão do financiamento.
No entanto, novamente os resultados apresentados nesse tema pelos negociadores em Varsóvia foram aquém do esperado. As ambiciosas metas de financiamento apresentadas pelos países desenvolvidos na malfadada COP 15 (Copenhague, 2009) pelo Green Climate Fund (GCF), de 100 bilhões de dólares anuais a partir de 2020, estão muito longe de serem atingidas. A COP 19 logrou compromissos de financiamento à adaptação de apenas US$ 100 milhões, pouquíssimo quando comparado às metas originais e ao custo que essas ações podem ter no futuro.
Mesmo com esforços para que a Conferência de Varsóvia fosse a “COP do financiamento”, inclusive com a realização de um inédito encontro ministerial sobre o tema, as negociações desse ano entregaram pouco. A COP 19 evidenciou também o quão problemático está o diálogo sobre o tema entre os negociadores: muitas palavras, poucos compromissos, baixa ambição, posicionamentos rígidos e margem pequena para manobras de negociação.
Perdas e Danos
Existia também alguma expectativa de avanço na construção de um regime internacional de compensação por perdas e danos associados às mudanças do clima para países em desenvolvimento. Este já era um tema importante na agenda de Varsóvia antes da COP, mas acabou ganhando maior dimensão após o apelo emocionado do chefe da delegação das Filipinas, Yeb Saño, por causa do desastre causado pela passagem do tufão Hayan no litoral do país, causando a morte de milhares de pessoas e afetando diretamente milhões nessa região.
O apelo de Saño virou bandeira para a sociedade civil presente em Varsóvia para pressionar os negociadores em torno de um regime que permitisse reagir rapidamente aos possíveis impactos das mudanças do clima em nações pobres, e que fosse independente da estrutura existente no âmbito da UNFCCC para lidar com adaptação.
Talvez esse tenha sido um dos pontos mais complexos das negociações em Varsóvia, protagonizando imagens pitorescas nas últimas horas da COP 19 – como os negociadores aglomerados em torno da delegação norte-americana, com direito a alguns delegados em pé sobre as mesas e bastante barulho, em busca de uma solução de compromisso que pudesse salvar as negociações sobre o tema. Finalmente, depois de algumas horas, no sábado à noite, os negociadores conseguiram apresentar e aprovar o chamado Mecanismo Internacional de Varsóvia.
Do ponto de vista estrito das negociações e do que se esperava no decorrer das semanas de discussão, esse Mecanismo pode ser considerado um avanço. No entanto, para os países em desenvolvimento, ele não terá a autonomia esperada, já que estará submetido às plataformas de ação de adaptação da UNFCCC, pelo menos nos três primeiros anos.
Plataforma de Durban
O tópico mais evidente da agenda de Varsóvia também não conseguiu resultados expressivos na COP 19: a chamada Plataforma de Durban (ADP), que negocia as bases para o futuro acordo climático global que sucederá o Protocolo de Quioto, a partir de 2020. Esperava-se que a COP 19 definisse alguns pontos estratégicos para o novo acordo, de forma a orientar as negociações nas próximas COPs (Lima em 2014 e Paris em 2015). Novamente, a decisão somente foi aprovada no sábado à noite depois de horas de discussão interminável.
O texto em si é pouco detalhado, o que incomodou países em desenvolvimento e organizações da sociedade civil. A decisão convida os países a realizarem consultas nacionais para a definição do nível de ambição e de capacidade dos países nos esforços de redução de suas emissões de gases do efeito estufa – ponto este defendido pelo Brasil em proposta apresentada pouco antes da COP 19. No entanto, o texto não apresenta um cronograma fechado para que os países apresentem suas “contribuições” no âmbito das negociações da ADP: ele diz apenas que idealmente os países deverão fazer isso no primeiro trimestre de 2015, mas deixa margem para que os países descumpram essa data caso não estejam preparados.
O termo “contribuição” também foi colocado no texto depois de mais de uma semana de discussões acalorada sobre a palavra que identificava o potencial de ação dos países no enfrentamento das mudanças climáticas nos primeiros drafts da decisão – “compromisso”. Para países emergentes, como Índia e China, que no âmbito do Protocolo de Quioto não possuem “compromissos” de redução, o uso do termo no novo acordo poderia abrir margem para que o documento desconsidere o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que orientou a definição dos países desenvolvidos no famoso Anexo I do Protocolo, com metas obrigatórias de redução.
Para os negociadores, em especial para aqueles que lideraram o processo de negociação em Varsóvia – o ex-ministro polonês do Meio Ambiente, Marcin Korolec, e a secretária-executiva da UNFCCC Christiana Figueres –, a decisão aprovada pela COP 19 dá uma trilha para que se avance nos termos do novo acordo climático, especialmente durante a próxima COP. Entretanto, para a sociedade civil, os termos da decisão são muito ambíguos e pouco ambiciosos, o que jogará pressão sobre os negociadores na Conferência de Lima. Caso as negociações do próximo ano não consigam avançar no esboço do novo acordo, Paris 2015 poderá reviver o drama de Copenhague 2009.
REDD+
Um avanço notável que Varsóvia deixou para o enfrentamento das mudanças climáticas é o acordo em torno das regras para pagamento por esforços de redução de emissão decorrentes de ações contra o desmatamento e degradação florestal – o chamado REDD+. As negociações em torno desse tema se arrastavam há sete anos, e a decisão aprovada na COP 19 pode ser considerada o seu principal resultado político.
O acordo aprovado foi acompanhado por compromissos de financiamento em torno dos US$ 280 milhões por parte dos Estados Unidos, Alemanha, Noruega e Reino Unido. O mecanismo de REDD+ existia dentro da UNFCC desde a COP 16 (Cancun, 2010), mas não possuía nenhum arcabouço que orientasse e articulasse as ações nesse tema. A decisão aprovada estabelece o “pagamento por resultados”, um ponto que o Brasil defendia em Varsóvia. Para o governo brasileiro, as regras definidas em Varsóvia podem incentivar que outros países desenvolvidos colaborem com esforços de combate ao desmatamento em países em desenvolvimento, como foi o caso do acordo do país com a Noruega em 2010, que se comprometeu a depositar cerca de US$ 1 bilhão para o Fundo Amazônia.