Decreto presidencial aumenta a burocracia pública para livrar a cara de infratores; crime organizado na Amazônia agradece
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) entregou ontem (11), aos 101 dias de governo, uma de suas promessas de campanha: acabar com as multas ambientais. O Decreto 9.760/2019, assinado na quinta-feira e publicado nesta sexta no Diário Oficial da União, premia infratores e criminosos ambientais ao criar uma burocracia extra na administração federal para fazer “conciliação” de multas. Além disso, prioriza ideologia à eficiência ao suspender a conversão indireta de multas ambientais, que segundo o governo beneficiaria ONGs.
Para uma administração que fala tanto em “simplificar”, “enxugar” e “desburocratizar”, o estabelecimento de mais uma instância para julgar processos de infração no Ibama soa bizarro. No entanto, ele deve ser lido à luz das afirmações de Bolsonaro de que o Ibama é uma “indústria de multas” e do ministro do Meio Ambiente de que multas ambientais são um “ônus ao setor produtivo”.
O núcleo de conciliação a ser criado no órgão ambiental será, na prática, mais um órgão ao qual infratores poderão recorrer para não pagar multas. Se um fazendeiro desmatou ilegalmente, por exemplo, hoje ele já pode recorrer administrativamente no Ibama e, caso perca, em quatro instâncias na Justiça. Por essa razão, apenas 5% dos cerca de R$ 3 bilhões em multas que o Ibama aplica anualmente são de fato cobrados.
Agora o infrator ou criminoso ambiental ganhou mais uma facilidade: ele pode, ao ser multado, optar pela conciliação. Automaticamente a instrução do processo sancionador que levará à cobrança da multa é automaticamente suspensa até que ocorra a audiência de conciliação. Como o núcleo (ou núcleos) de conciliação terá pouquíssimas pessoas para julgar cerca de 14 mil processos anuais, o prazo para a audiência de conciliação será indefinido. Caso o núcleo não aceite converter a multa em recuperação ambiental, como prevê o decreto, o infrator ainda poderá apresentar até três recursos no próprio Ibama ou recorrer à Justiça.
“O decreto das multas cria uma espécie de balcão da impunidade. Para julgar as multas ambientais, o presidente inaugurou uma nova instância que tem duas funções: substituir o Ibama e não funcionar. Quem foi flagrado cometendo crime ambiental ganha a possibilidade de recorrer eternamente e nunca ser efetivamente julgado”, diz Márcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace. O crime organizado na Amazônia agradece.
Bolsonaro também suspendeu a chamada conversão indireta de multas, criada em 2017. A conversão indireta permitia a um autuado ter desconto de 60% em sua multa caso depositasse os 40% restantes para projetos de recuperação ambiental previamente selecionados pelo Ibama. Como a maioria dos projetos seria tocada por entidades do terceiro setor, o presidente mandou suspender, para não “dar dinheiro para ONG”.
A conversão indireta não foi extinta, como se temia, mas está suspensa até que suas novas regras sejam estabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente. Com isso, as ações de recuperação no rio São Francisco e no Parnaíba, objeto de projetos selecionados em 2018, não ocorrerão, pelo menos não tão cedo. Também fica parada a seleção pública para projetos de restauração florestal em Santa Catarina. Sabe-se lá que regras serão estabelecidas para projetos de organizações da sociedade civil, e quando. Prevaleceu a ideologia, perdeu o meio ambiente.