Bolsonaro desvia Brasil de ação climática, diz análise internacional
Principal monitor de políticas de clima do mundo vê paralisação do progresso em redução global de emissões e diz que próximos 12 meses serão determinantes para o Acordo de Paris
DO OC, EM BONN – Os avanços mundiais em combater as emissões de gases que causam o aquecimento global estão sendo paralisados. As emissões em 2018 subiram à maior velocidade desde 2011, o carvão mineral está de volta e o crescimento das renováveis está desacelerando. E um dos países que mais estão regredindo nas políticas climáticas é, adivinhe, o Brasil.
O diagnóstico foi apresentado nesta quarta-feira (19) em Bonn pelo consórcio Climate Action Tracker, formado por cientistas e ONGs de pesquisa para monitorar o progresso da humanidade na direção da estabilização do clima global. O CAT, como é conhecido, faz atualizações semestrais de suas estimativas, e lançou a mais recente delas durante a reunião preparatória para a conferência do clima de Santiago
“A atualização é desanimadora”, disse Bill Hare, da Climate Analytics, um dos autores principais do CAT. “A crescente preocupação do público com a mudança climática ainda não está se refletindo em políticas no mundo real.” Segundo ele, os próximos 12 meses serão determinantes para o futuro do Acordo de Paris.
O Brasil ganhou destaque negativo no relatório deste semestre. O CAT fez a primeira análise detalhada dos efeitos dos atos e das e declarações do governo Bolsonaro sobre a trajetória de emissões do país e concluiu o óbvio: “Em pouco mais de cem dias no governo, o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, levou seu país para mais longe da ação climática e do cumprimento de suas metas no Acordo de Paris”, afirma o relatório.
A meta brasileira, como as da maioria dos grandes emissores, já era considerada “insuficiente” pelo CAT para atingir o objetivo do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento global abaixo de 2ºC. Segundo a análise, se todos os países tivessem o grau de ambição do Brasil nas metas para 2025 e 2030, o mundo terminaria este século com 2ºC a 3ºC de aumento na temperatura em relação à era pré-industrial.
De acordo com a última análise, com as políticas hoje implementadas as emissões do Brasil por uso de energia estariam 27% maiores que em 2005 em 2025 e 32% maiores em 2030. O sucesso em reduzir o desmatamento já vem já se reverteu há alguns anos. Ou seja, o país já estava na trajetória contrária às metas de Paris.
E aí veio Bolsonaro.
“Apesar de ter recuado em suas posições de campanha mais extremas sobre a mudança climática, como sair do Acordo de Paris, Bolsonaro e seus ministros expressaram publicamente sua oposição a várias das políticas climáticas existentes no Brasil”, afirma o relatório.
Entre os deméritos listados estão a nomeação de um negacionista do clima como chanceler, a redução da participação da sociedade civil em conselhos na área ambiental, a tentativa de reverter leis como o Código Florestal, o corte de 95% do orçamento para mudanças climáticas no Ministério do Meio Ambiente, a conciliação de multas e o enfraquecimento do combate ao desmatamento.
“A situação é tão crítica que, pela primeira vez na história, ex-ministros do Meio Ambiente de partidos políticos diferentes lançaram uma declaração conjunta estimulando a sociedade civil e as instituições oficiais a prestar atenção às decisões governamentais que prejudicam o ambiente”, lembrou o relatório.
Apesar de dizer não ser possível ainda estimar o impacto dessas políticas em toneladas de carbono a mais, o CAT afirma que “a maioria delas tem o potencial de aumentar o desmatamento ilegal e outros crimes ambientais”, elevando as emissões.
“Em menos de seis meses os efeitos dos retrocessos ambientais do governo Bolsonaro já são destaque negativo no principal instrumento de monitoramento de ação climática do mundo”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do OC, que participou da revisão do relatório. “Ficar no Acordo de Paris significa muito mais do que manter a assinatura no tratado.”
Além do Brasil, também foram destacados na lista dos retrocessos os EUA, onde Donald Trump segue desmontando regulações pró-clima, a Austrália, onde os conservadores pró-carvão ganharam uma eleição que teve a mudança climática entre seus temas principais, e a China. “As emissões chinesas cresceram, quando algumas pessoas esoeravam que ela já tivesse atingido seu platô. Não atingiram”, disse Nicholas Huehne, do New Climate Institute, também coautor do CAT. “A China levantou a moratória a usinas a carvão. Há mais de 250 gigawatts de usinas a carvão por construir, e o país está financiando outros 100 gigawatts no exterior”, afirmou. Mesmo a progressista União Europeia ainda deve ter 40% de suas usinas a carvão funcionando em 2030.
Entre os bons exemplos estão vários países que têm declarado intenções de atingir a neutralidade em carbono em 2050. Um deles é o Chile, sede da próxima conferência do clima. Segundo Hare, o país – cuja meta atual é considerada “altamente insuficiente” pelo CAT, está passando por uma transformação nos últimos 12 meses e pode servir de exemplo para o restante da América Latina.