Foto: Antonio Augusto/secom/TSE

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Barroso aponta omissão deliberada do governo no Fundo Clima

Em voto, relator dá ganho de causa em ação de partidos no STF que pede que União pare de sabotar o fundo.

24.06.2022 - Atualizado 11.03.2024 às 08:30 |

PRESS RELEASE

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, publicou na madrugada desta sexta-feira (24/6) um voto no qual julga procedente uma ação movida por quatro partidos políticos em 2020 para obrigar o governo federal a restabelecer o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e evitar que seus recursos sejam retidos (contingenciados) pela União.

Barroso é o relator da ADPF (Ação de Descumprimento de Arguição Fundamental) 708, impetrada por PSB, Rede, PSOL e PT em junho do ano retrasado. O julgamento ocorre no plenário virtual da Suprema Corte. Em caso de vitória dos partidos, estará criado mais um precedente para decretar inconstitucionais as “boiadas” passadas pelo regime de Jair Bolsonaro sobre a governança socioambiental do Brasil.

Além disso, o voto do ministro reconhece a proteção do clima como um valor constitucional. Portanto, omissões ou ações contrárias a ela são violações à Constituição e aos direitos humanos, passíveis de sanção pelo Supremo.

Na petição de 2020, protocolada no Dia Mundial do Meio Ambiente (5/6), que teve apoio técnico do OC, os partidos apontam que o governo deixou o Fundo Clima parado de propósito durante os anos de 2019 e 2020. Segundo os proponentes, a enrolação foi proposital, até que o então ministro Ricardo Salles conseguisse mudar a composição do comitê gestor do fundo (extinto em abril de 2019) de forma a excluir a sociedade civil e ter o colegiado sob controle do governo.

Em novembro de 2019, o comitê foi recriado, conforme a vontade de Salles, com forte presença do governo e do setor privado. A única representação da sociedade civil era um assento para o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, um organismo paraestatal cujo presidente é Jair Bolsonaro e cujo secretário-executivo é de escolha do ministro do Meio Ambiente.

Mesmo com essa nova composição, o fundo entrou o ano de 2020 com cerca de R$ 500 milhões de sua parcela reembolsável congelados no BNDES e R$ 8 milhões de sua parcela não-reembolsável virtualmente sem uso pelo Ministério do Meio Ambiente. Foi só após a ação dos partidos ser protocolada no Supremo que Salles correu para destinar os recursos reembolsáveis do fundo. Sua parcela não-reembolsável foi inteiramente destinada a um único projeto, o Lixão Zero de Rondônia (Estado governado por um aliado de Bolsonaro), e uma outra parcela foi contingenciada pelo Ministério da Fazenda.

Em seu voto, Barroso afirma que a paralisação do Fundo Clima foi proposital. “Os documentos juntados aos autos comprovam a efetiva omissão da União, durante os anos de 2019 e 2020. Demonstram que a não alocação dos recursos constituiu uma decisão deliberada do Executivo, até que fosse possível alterar a constituição do Comitê Gestor do Fundo, de modo a controlar as informações e decisões pertinentes à alocação de seus recursos”, escreveu.

“A medida se insere em quadro mais amplo de sistêmica supressão ou enfraquecimento de colegiados da Administração Pública e/ou de redução da participação da sociedade civil em seu âmbito, com vistas à sua captura”, prosseguiu o relator, fazendo eco à tese da “cupinização institucional” exposta pela colega Cármen Lúcia em março na votação de uma outra ação sobre a política ambiental de Bolsonaro.

Barroso também apontou que o cuidado do meio ambiente não é uma opção do Executivo, derrubando a argumentação da AGU (Advocacia-Geral da União) de que decisões sobre o Fundo Clima eram discricionárias do Executivo. Ao contrário, afirmou, trata-se de uma “obrigação” à qual o poder público está vinculado.

Outra tese da defesa rechaçada pelo relator foi a de que o Fundo Clima, por derivar de compromissos internacionais do Brasil no âmbito dos tratados multilaterais sobre mudança climática, não vincula o governo federal a seu cumprimento obrigatório, já que não se trata de lei brasileira.

“Tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional. Assim, não há uma opção juridicamente válida no sentido de simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas”, retorquiu, deferindo os pedidos dos partidos para: 1) Reconhecer a omissão da União ao paralisar o Fundo Clima em 2019; 2) Determinar à União que pare de se omitir em fazer funcionar o fundo, e 3) Vedar o contingenciamento de sua receitas.

Barroso também responde à questão levantada pelas entidades de que a aplicação dos recursos do fundo estaria sendo “subótima”. Com isso, ele diz que “a persistência no não enfrentamento de fontes importantes de gases de efeito estufa — tais como o desmatamento e as alterações de uso do solo — ao longo do tempo, e a consequente frustração da mitigação das alterações climáticas pode ensejar a atuação futura do Judiciário no tema”. Ou seja, ele abre as portas para que qualquer governo seja processado caso exista algum tipo de malversação na aplicação de recursos para mitigação da crise do clima.

Os outros ministros do STF ainda não votaram. A ação deve ser julgada no plenário virtual da corte até a próxima semana.

Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com mais de 70 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

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