Alga viajante traz mau presságio para a Antártida
Espécie subpolar achada em praia no continente gelado mostra que invasões biológicas podem “furar” barreira oceânica e colonizar a região “nas próximas décadas”, dizem cientistas
DO OC – A Antártida não está a salvo de espécies invasoras como se imaginava, e é questão de tempo até que as ondas e o aquecimento global facilitem a colonização do sexto continente por animais e plantas de outras paragens. A sentença foi dada por um grupo internacional de cientistas que estudaram a criatura recordista global de viagens oceânicas: uma alga marinha.
A planta foi achada por pesquisadores chilenos numa praia na ilha Rei George, a mesma onde o Brasil deve reinaugurar no ano que vem a Estação Antártica Comandante Ferraz. Ela ainda possuía seus órgãos reprodutivos, o que sugere que poderia crescer e se multiplicar. Tinha cracas grudadas em seu caule, sinal de que havia passado um bom tempo flutuando em mar aberto antes de encalhar.
Analisando o genoma da planta, os pesquisadores liderados por Ceridwen Fraser, da Universidade Nacional Australiana, descobriram que a alga havia se originado nas ilhas Kerguelen, um arquipélago oceânico entre a África do Sul e a Antártida, e viajado pelo menos 20 mil quilômetros – quase uma volta ao mundo pelos mares austrais – até chegar a seu destino final.
A mera distância percorrida já tornaria a alga, da espécie Durvillaea antarctica, digna da atenção dos pesquisadores: segundo Fraser e colegas, não há notícia de um outro organismo que tenha viajado tanto pelo oceano. Mas há outra coisa que torna o espécime achado na ilha Rei George (na verdade, dois exemplares da mesma espécie) especial. Ele não deveria estar ali.
Os cientistas achavam que a Antártida estivesse isolada biologicamente do resto do mundo há dezenas de milhões de anos. Isso porque há um “muro” oceânico que separa as águas polares, o chamado oceano Austral, do restante do planeta. Trata-se da chamada Frente Polar Antártica, formada por poderosas correntes marinhas que dão a volta no continente. A frente polar é a fronteira na qual as águas frias do oceano Austral mergulham sob as águas mais quentes do Pacífico, do Atlântico e do Índico. Não havia até agora notícia de animais ou plantas que tivessem cruzado essa linha flutuando no mar – exceção feita a espécies migratórias, como baleias.
Já houve registro de seres trazidos de fora para a Antártida. O caso mais conhecido é de uma semente de grama europeia, provavelmente trazida no sapato de algum cientista, que germinou e floresceu por um ano, mas não resistiu ao frio. Mas a muralha oceânica impedia que espécies subpolares ou temperadas pudessem aportar sozinhas e colonizar a região. Pelo menos era o que se supunha até agora. O caso da alga Durvillaea antarctica (que, apesar do nome, não ocorre na Antártida, ou não ainda) mostra que ondas e tempestades podem, sim, empurrar seres vivos para além da fronteira marinha.
“Nossos resultados indicam que a dispersão biológica não-antropogênica para a Antártida por meio de flutuação é frequente, e que o estabelecimento de espécies não-nativas, portanto, é evitado presumivelmente pelo ambiente, não pelo transporte”, escreveram Fraser e colegas no artigo que descreve a pesquisa, publicado nesta segunda-feira (16) no periódico Nature Climate Change.
O problema com isso, claro, é o aquecimento global.
Algumas regiões da Antártida estão em franco aquecimento. A Península, onde está a ilha Rei George, é uma das regiões do planeta que mais esquentaram desde os anos 1950 – mais do que o triplo da média mundial. Nessas condições, organismos marinhos típicos da Antártida e que só sobrevivem em locais frios podem desaparecer, e espécies de climas mais tépidos podem se dar bem.
Ninguém tem ideia de se isso seria um desastre ecológico ou não; o que parece claro é que o ecossistema único da Antártida, que evoluiu em relativo isolamento do resto do planeta, está prestes a mudar de forma permanente. E, nesse cenário, a competição com espécies adaptadas a temperaturas mais amenas pode levar a extinções de espécies nativas. “Prevemos que haverá, nas próximas décadas, o estabelecimento de vários táxons não-nativos na Antártida”, escrevem os cientistas. (CLAUDIO ANGELO)