A Mata Atlântica cresceu ou encolheu?
As duas coisas: um atlas divulgado hoje mostra aumento de 60% no desmatamento da floresta mais ameaçada do Brasil, mas bioma se regenera em áreas destruídas no passado
LUCIANA VICÁRIA
DO OC
Dois estudos recentes sobre a Mata Atlântica dão resultados aparentemente opostos: um atlas divulgado nesta segunda-feira (29) pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Inpe, mostra uma grande perda na floresta mais ameaçada do Brasil. O MapBiomas, apresentado há um mês, diz que a Mata Atlântica está crescendo. Cada um à sua maneira, ambos estão certos.
Ocorre que há várias formas de analisar uma floresta: pode-se contabilizar apenas a perda de mata original ou considerar ganhos e perdas de vegetação em diferentes estágios de regeneração. Essa diferença está presente nesses dois estudos.
O Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, em sua 12ª edição, registrou o maior desmatamento do bioma nos últimos dez anos: uma perda florestal de 291 quilômetros quadrados no biênio 2015/2016. Já a segunda coleção de mapas do MapBiomas, uma ferramenta de análise de cobertura e uso do solo, revelou um ganho de vegetação de Mata Atlântica regenerada de 27 mil quilômetros quadrados (uma Bélgica) de 2001 a 2015.
A SOS Mata Atlântica considera apenas a perda de florestas primárias, com grande diversidade de árvores e pouca interferência humana. Estas quase desapareceram da Mata Atlântica, mas ainda podem ser encontradas em partes da Serra do Mar, por exemplo. Também considera perdas de florestas secundárias, mas em estágios mais avançados, com espécies da floresta tradicional e um significativo volume de madeira. É o caso da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, desmatada séculos atrás e regenerada. A perda dessas duas categorias precisa ser contabilizada porque é nelas que está a biodiversidade que torna a Mata Atlântica o que ela é.
O MapBiomas, por sua vez, analisou ganhos e perdas. A ferramenta monitora as coberturas vegetais em todos os seus estágios de regeneração, além de fragmentos de vegetação que não tem sua biodiversidade preservada ou restaurada, mas com alguma importância para o ecossistema – mesmo uma floresta pobre na beira de um rio é importante para a preservação dos recursos hídricos, por exemplo. A análise se dá em regiões a partir de um hectare, inclusive em zonas abertas no passado para agricultura ou pastagem e abandonadas em seguida.
“As análises da SOS e do MapBiomas são complementares”, disse o geógrafo Marcos Reis Rosa, diretor da ArcPlan, empresa de geoprocessamento responsável pelos dois estudos. “O Atlas analisa apenas as perdas, não avalia a regeneração. Já o MapBiomas considera áreas bem menores e porções de vegetação que não necessariamente são florestas”, disse.
Além disso, segundo Rosa, cada um deles usa um conceito de Mata Atlântica diferente: para o Atlas, temos apenas 12,5% de vegetação remanescente; e para MapBiomas, que inclui regenerações em estágios iniciais, 25%.
Para Márcia Hirota, da SOS Mata Atlântica, coordenadora-geral do Atlas, a situação da Mata Atlântica é crítica. “Voltamos à situação de dez anos atrás”, disse. No mês passado, ela sobrevoou as áreas mais devastadas do sul da Bahia – região com o maior índice de desmatamento de todos os Estados do bioma, onde as derrubadas aumentaram 207% em relação ao biênio anterior – e presenciou de perto a destruição da floresta. Além da tradicional derrubada para a criação de gado, que causou grande parte da devastação da floresta atlântica desde a chegada dos portugueses, a mata na região do descobrimento enfrenta um inimigo recente: as plantações de eucalipto. “Tem gente botando fogo na floresta e áreas sendo abertas para silvicultura”, diz Hirota.
O desmatamento tende a aumentar ainda mais nos próximos anos, segundo Mário Mantovani, diretor de Políticas da SOS Mata Atlântica. Anistias do Código Florestal, promulgado em 2012, e o decreto sobre licenciamento ambiental aprovado pela Bahia em 2014, que isentou as atividades agrícolas e a silvicultura da necessidade de licenciamento – e foi questionado pelo Ministério Público – explicam parte do problema. “Havia sinais fortes de desaceleração no desmatamento em todo o Brasil, mas aí vieram as anistias”, disse Mantovani. “Foram fogo no rastilho.”
Ele lembrou que a dispensa de licenciamento ambiental para a silvicultura é um dos pontos do controverso projeto de lei do licenciamento “flex”, defendido pela bancada ruralista, que poderá ser votado nesta semana na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.